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CONHEÇA OS CHEFÕES DA MÁFIA DA FIFA

Matéria assinada pelo jornalista Andrew Jennings para a Agência Pública, parceira do Ferozes FC. Confira a íntegra da matéria.

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Em todos os bares do mundo torcedores de futebol, irritados pela contínua corrupção da Fifa, gritam “A Fifa é uma máfia!”

Mas máfia? Agora eles foram longe demais, não?

Não. Confie nos torcedores. Eles fazem um bom julgamento. Quando a presidente Dilma recebe os líderes do futebol mundial ela está acolhendo uma gangue que preenche todos os requisitos na definição acadêmica do que vem a ser um Sindicato do Crime Organizado.

1.  A máfia

Olhe para o mundo do presidente Blatter: um chefe poderoso, compromissado com o próprio enriquecimento através de atividades criminosas que envolvem corrupção e propinas no fechamento de contratos. E ainda há a manipulação de resultados das partidas e a extorsão de bilhões de dólares de governos ingênuos – como o do Brasil.

Essa família criminosa tem até mesmo tribunais privados da Fifa e um sistema de disciplina que não pode ser contestado nos tribunais civis. E tem a cultura omertà, um código de honra e silêncio – você já ouviu algum funcionário da Fifa denunciado seus chefes?

Você já ouviu falar das Cinco Famílias de Nova Iorque, que dominavam a máfia italiana nos EUA sob um poderoso chefão? Pois a Fifa tem seis “famílias”. São as confederações que dominam cada continente: a Conmebol na América Latina, a Concacaf no Caribe, América do Norte e Central, a Uefa na Europa, a AFC na Ásia, A CAF na África e a OFC na Oceania.

Como os mafiosos de Nova Iorque, cada grupo é semi-autônomo e comanda seu próprio crime organizado, mas todos devem uma fidelidade suprema ao Capo di tutti i capi em Zurique.

Sempre me perguntam: “Depois de você ter exposto tanta corrupção na Fifa, como o Blatter ainda está no poder?”

Aqui vai a resposta. Não importa o que os torcedores, a mídia ou os políticos pensem ou digam sobre esses impostores, Blatter é intocável.

A Fifa é o conjunto de 209 associações nacionais. Elas, e ninguém mais, têm o poder de voto nos congressos da Fifa. A máquina de Blatter é lubrificada por doações para “desenvolvimento” de milhões de dólares para essas associações, que não são auditados, e pelo enorme comércio clandestino dos preciosos ingressos da Copa do Mundo, que vão parar debaixo do tapete.

O presidente Blatter se refere à sua “família do futebol”. Vamos corrigir isso: é a Família do Futebol do Crime Organizado.

Mas o que sabemos sobre Don Blatter e seus gângsteres que eles não querem que seja publicado?

Dois anos atrás uma fonte na Europa me deu uma lista de 170 propinas pagas para os funcionários do alto escalão da Fifa, totalizando o incrível valor de US$ 100 milhões.

Os nomes de João Havelange e Ricardo Teixeira estavam naquela lista e eu tenho orgulho de ter ajudado a forçar a saída do velho do COI e de seu ex-genro da CBF.

Curiosamente, a lista de propinas revela que mais de US$10 milhões foram pagos em dinheiro vivo para uma pessoa anônima. Anos atrás me contaram que Blatter era esperto o suficiente para não deixar rastro de documentos sobre as suas propinas. Então será essa sua lista de propinas nos contratos de marketing? Claro que ele nunca responde às  minhas perguntas.

E tem outra coisa que eu descobri sobre Don Blatter. Ele é um predador sexual, e costuma se aproveitar das funcionárias do seu império na Fifa. Elas são convocadas para uma suíte nos melhores hotéis do mundo e na porta do quarto são confrontadas com a visão do Líder Máximo abrindo seu robe de seda – e revelando seu equipamento de pontuação.

2.  Os membros da organização criminosa

Agora, vamos nomear e envergonhar o assessor pessoal de Blatter, Walter Gagg. Walter trabalha para Blatter na Fifa desde os anos 70 e como seu chefe, vê as mulheres no futebol como oportunidades sexuais. Uma vez Walter compartilhou uma amante com Havelange. Quando o presidente descobriu, a mulher foi demitida.

Walter toma mais cuidado agora e fica longe das vítimas de Blatter. Seus alvos são mulheres bem jovens. Um amigo em Zurique me deu alguns e-mails de Walter. Ele havia deixado os e-mails no seu computador e eles acabaram sendo fonte de diversão para todo mundo no prédio da Fifa.

Mas cuidado! Walter tem um novo título – chefe da segurança dos estádios – e ele usa isso como uma desculpa para visitar o Brasil e dar uma olhada nas garotas.

Uma foto pode valer mil palavras. Olhe para o caso amoroso entre Ricardo Teixeira e o secretário geral da Fifa, Jerome Valcke. Se o brasileiro é, como vocês sabem, um ladrão, fraudador e mentiroso certificado que voou para a Flórida para escapar da Justiça, o que isso diz sobre o secretário-geral do futebol?

Isso mesmo! Você acertou! Valcke é um mentiroso profissional. A reputação dele foi jogada no lixo em um tribunal de Manhattan em 2006 quando o MasterCard processou a Fifa por mentir para eles sobre um contrato de patrocínio. Em segredo, Jerome Valcke, então Diretor de Marketing da Fifa, estava fazendo acordos sujos com o rival Visa.

O advogado Martin Hyman, do MasterCard, disse ao juiz “Nós aprendemos com o Grupo de Marketing da Fifa sobre os seis graus de prevaricação: mentiras brancas, mentiras comerciais, blefes, mentiras puras, mentiras diretas e perjúrio. O senhor Valcke mentiu até quando testemunhou sobre suas mentiras. Mas no mundo da Fifa, isso é perfeitamente normal.”

O juiz concordou e condenou Valcke como mentiroso. O presidente Blatter não teve escolha e demitiu Valcke. Isso foi em dezembro de 2006.

Mas seis meses depois um novo Chefe Executivo da Fifa foi nomeado. Adivinhe? Era Jerome Valcke.

Por que Blatter mudaria de ideia? Estaria Valcke o chantageando?

Em abril de 2001, Valcke fazia parte de um time de homens de negócio franceses tentando fazer negócios com a Fifa. Durante as negociações – que acabaram fracassando – Blatter enviou uma carta a Valcke (e nós temos essa carta) com um surpreendente comentário: “A posição da Fifa de nenhuma maneira será alterada por ameaças ou tentativas de chantagem”.

 

3.  De tio para sobrinho

A Família Fifa do Crime Organizado realmente quer dizer família. Sepp Blatter tem o poder de ganhar os lucrativos direitos televisivos para a Copa de qualquer empresa do mundo. Ele deu 50% destes direitos para a Infront, uma empresa suíça de marketing de esportes. O chefe da empresa é seu sobrinho, Philippe Blatter.

Mas o sobrinho Philippe ganha ainda mais. O tio Sepp tem o ajudado a adquirir um investimento na empresa Byrom que – comercializando sob o nome MATCH – tem o monopólio do negócio lucrativo das acomodações para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil.

São aqueles camarotes exclusivos que estão sendo construídos no Maracanã e em outros estádios para os homens de negócios mais ricos do mundo.

Atenção, amigo brasileiro: não pense nem por um segundo que você poderia comprar um lugar ali e provar a experiência gourmet que eles oferecem. Contente-se com um hambúrguer medíocre do McDonald’s e com um lugar, se você tiver sorte, atrás do gol.

A empresa Byrom é dos irmãos mexicanos Jaime e Enrique. Sua família tem tradição no futebol mexicano, e eles são melhores amigos do recebedor-de-propinas Havelange.

Aqui um pouco sobre a Big One. Ela é a agência de ingressos oficial da Fifa. Incrivelmente, controla a venda de todos os ingressos para 2014.

Ainda nesse ano eu vou escrever a história (eu tenho os documentos!) sobre o que exatamente eles, da Big One, fizeram para persuadir os líderes da Fifa a dar para eles essas maravilhosas e lucrativas concessões.

Então o sobrinho presidencial está indo muito bem com o evento que está sendo pago pela população que paga impostos no Brasil. Eu tenho que perguntar, será que ele está pagando propina para o tio Sepp?

A verdade é que o Brasil está sendo seriamente ferrado.

Os Byrom fracassaram em 2010 na Copa da África do Sul, porque cobraram muito caro por pacotes de acomodação. Eles admitem que a perda foi de pelo menos US$ 50 milhões. Agora, planejam recuperar o que perderam em 2014 e ainda lucrar mais. O tio e seu companheiro Ric Trapaceiro convenceram Lula a garantir para a Byrom e outros parasitas da Fifa a imunidade de impostos brasileiros nos lucros. Talvez os torcedores devessem protestar na frente do escritório de Jaime e Enrique no Rio.

Você sabia que existe um clube maçônico secreto para empresários conhecido como Corporação McKinsey? Eles falam uma língua com barulhos incompreensíveis, que chamam de “jargão da administração”. E também parecem se assemelhar à máfia.

A McKinsey foi contratada por Sepp Blatter no final dos anos 90 para “reorganizar” a Fifa. Ele assinou cheques gordos para a McKinsey.

Adivinhe de novo! O sobrinho Philippe era então sócio da McKinsey. Além dele, tinha um camarada chamado Markus Kattner. Depois de alguns anos, o sobrinho Philippe passou a ser chefe na Infront. O sr. Kattner também deixou a McKinsey – para se tornar o Diretor de Finanças na Fifa. Pense no quanto ele deve saber sobre os acordos de dinheiro sujo feitos no bunker de Blatter em Zurique.

4.  O Bullying da Fifa

Homens minúsculos se envaidecem e se tornam arrogantes quando vão trabalhar para a Fifa. Um típico exemplo é o Sr. Jörg Vollmüller, que detém o grande título de Chefe do Departamento de Comércio Legal da Fifa.

E o que ele faz? Ameaça governos que não se curvam à Fifa e a seus patrocinadores, como a Coca-Cola. “Beije a bunda de Blatter”, ele diz, “ou vocês não vão ter a Copa do Mundo”.

O governo Lula então se viu forçado a beijar a bunda de Blatter, de Ricardo Teixeira, de José Maria Marin e Marco del Nero – e de sua namorada, Carolina Galan – além de Joanna Havelange e João Havelange.

No meu site tem um exemplo das cartas de bullying que o sr. Vollmüller gosta de escrever. Essa é para a associação de futebol da Holanda, dizendo que o governo holandês não está beijando bundas o suficiente, já que não dá abonos tributários o suficiente e, portanto, não vai levar a Copa do Mundo. De fato, não levou.

Eu gostaria de ver o Sr. Vollmüller andando por uma favela e instruindo os moradores a se mudarem porque Sepp Blatter quer construir uma estrada ou um hotel. Aí nós veríamos o quão valentão ele é.

Atenção: tenham cuidado também com Franz Beckenbauer. A partir de agora ele vai entrar e sair do Brasil, procurando boas oportunidades de negócio. Olhe atentamente e você vai ver que um passo atrás de Franz está um cavalheiro volumoso com cabelo branco à escovinha. Voilá. Conheçam Fedor Radmann. Fedor é da “Máfia de Munique”, uma subdivisão da Família Fifa do Crime Organizado.

Fedor é famoso por entregar malas com grandes quantias de dinheiro, com o propósito de ajudar os funcionários do esporte a votar da maneira que ele quer.

Foi ele quem entregou as malas de propina para os líderes da Fifa em 2000, definindo a decisão de dar a Copa do Mundo de 2006 para a Alemanha. Eu sei disso porque tenho os documentos.

O dinheiro veio do magnata da TV alemã, Leo Kirch, que também pagou US$1 milhão para um amigo de Havelange no Rio, Elias Zaccour. O dinheiro foi para uma conta de Zaccour em um banco em Luxemburgo. E depois de lá, para onde? Ricardo? Sepp? João?

Outro Mafioso da Fifa com uma mala amigável é homem da mala, Jean-Marie Weber. Ele trabalhou como cobrador júnior para o lendário empresário alemão Horst Dassler – da família Adidas – que fundou a empresa de marketing ISL, que parecia subornar quase todo líder esportivo do mundo para fechar um negócio. Quando Dassler morreu, apenas Weber tinha a lista de funcionários gananciosos.

Ao longo dos anos, Jean-Marie Weber levou em malas US$100 milhões para Havelange, Teixeira e Blatter – e até entregou um pagamento que foi parar na sede da Fifa por engano. Blatter sabia das propinas e ao permitir que seus colegas as recebessem, garantiu seus longos anos no poder.

Quem mais levou dinheiro do homem da mala, Weber?

O diretor do Comitê de Organização para 2014 da Fifa é um verdadeiro buraco negro para dinheiro sujo. É ninguém menos que o presidente do Conmebol desde 1986, o paraguaio Nicolas Leoz. Ele recebeu, comprovadamente, cinco propinas que totalizam US$ 730 mil de Weber. Eu acho que havia muito mais, mas Leoz conseguiu esconder as contas nas quais o dinheiro foi parar.

O vice de Leoz no comitê para a Copa do Mundo de 2014 é outra esponja de propinas. Issa Hayatou comanda o futebol na África quando não está tirando dinheiro de ninguém. Eu denunciei ambos em um programa da TV BBC em 2010, mas não houve até agora nenhuma atitude da família da máfia Fifa para expulsá-los.

5.  Vaias em nome da Copa

Nós podemos estar excluídos do poder do futebol mas ainda temos nossas vozes nas ruas e estádios. As campanhas e o slogan “Fora Teixeira” ajudaram a perseguir aquele bandido para fora de sua casa no Rio até o seu esconderijo em Boca Ratón, na Flórida – um nome muito apropriado.

Blatter odeia ser tratado desrespeitosamente. E vocês, torcedores têm muito poder em seus pulmões. Blatter foi vaiado durante a Copa do Mundo na Coréia. Com medo de um repeteco, ele não ousou aparecer para entregar o troféu na final da Copa da Alemanha em 2006. Também tem sido vaiado na Inglaterra.

Seria ótimo ler o slogan “Vaie Blatter” pintado em todos os muros no Brasil. Ao lado, poderia estar rabiscada a verdadeira equação: “FIFA = Mafia”.

Então vamos começar praticando, respirando fundo, e: BUUUUUUUUUUUUUU!

 

andrew-jennings@btconnect.com

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COPA NÃO REDUZ A POBREZA DOS PAÍSES POR ONDE PASSA, DIZ PESQUISA SUL-AFRICANA.

Por Andrea Dip
Segundo artigo do Human Sciences Reserch, megaevento de 1994 nos Estados Unidos gerou prejuízo entre $5,5 e $ 9,3 bilhões de dólares para as cidades sede

Preocupado com o rumo que os preparativos para Copa do Mundo no Brasil em 2014 têm tomado, o jornalista e documentarista Rudi Boon – autor do documentário “A FIFA manda” sobre a Copa de 2010 na África do Sul, que o Copa Pública mostrou – nos mandou uma série de estudos e documentos sobre os impactos dos megaeventos nos países onde ocorreraram. O primeiro, “Megaeventos como resposta para a Redução da Pobreza: A Copa de 2010 da FIFA e suas implicações no desenvolvimento da África do Sul” que apresentamos hoje, foi realizado por pesquisadores do instituto sul-africano Human Sciences Reserch (Conselho de Pesquisa em Ciências Humanas), na época em que o país se preparava para receber a Copa de 2010. Baseando-se na documentação de outros pesquisadores a respeito do legado da Copa em alguns países, o artigo defende que é praticamente impossível que a pobreza seja reduzida com a chegada de um grande evento e que os benefícios propagandeados pelos governos como projetos de mobilidade urbana e aumento do número de empregos são pouco funcionais, efêmeros e concentrados em pequenas áreas, e que muitas vezes acabam gerando crises e prejuízos ainda maiores para os países anfitriões. O exemplo mais chocante usado no texto, citando um estudo recente feito por Robert Baade & Victor Mathesondois, pesquisadores americanos, talvez seja o da copa de 1994 nos Estados Unidos, que teria gerado um prejuízo entre $5,5 e $ 9,3 bilhões de dólares para as cidades sede, ao invés do lucro estimado em 4 bilhões.

Expectativa

O texto começa explicando que o anúncio da Copa na África do Sul gerou muita expectativa, já que seria o primeiro grande evento em todo o continente. Na época, o presidente Thabo Mbeki, anunciou que aquele não seria apenas um evento sul-africano mas de toda a África. Além disso, o país passava por um momento de reconstrução e a Copa seria o “empurrãozinho” que faltava para o investimento no crescimento das cidades. Já nesta introdução, os autores alertam que em muitos países que receberam o megaevento, o que se viu como consequência da passagem da FIFA foram graves crises para as economias nacionais, geradas pelo grande volume de investimentos estatais – exatamente como está sendo feito no Brasil, como o ministro do TCU admite nesta entrevista. A preocupação dos pesquisadores, no caso da África do Sul, era com um crescimento muito rápido porém desordenado e desigual. Havia na época expectativa de crescimento de 65% em cinco anos, porém apenas nas cidades com maior concentração  de PIB e ainda assim de forma díspare, com muitos investimentos em áreas nobres e poucos investimentos nas áreas pobres. Isto também já pode ser visto no Brasil, como mostram os dossiês “Mega-eventos e violações de Direitos Humanos no Brasil” e Megaeventos e violações dos direitos humanos no Rio de Janeiro”

Desta forma, afirmam os pesquisadores, este crescimento é colocado como um “desafio”, pouco importanto se o país ou as cidades sede têm de fato a possibilidade de investir tanto em um megaevento.

As promessas feitas para a África do Sul também eram muito parecidas com as feitas por aqui, segundo o documento: “Em primeiro lugar, o megaevento é colocado como um catalisador para melhorar a condição de vida das pessoas historicamente desfavorecidas. Sugere um novo sistema de transporte público e uma agenda significativa de desenvolvimento, com promessas de geração de emprego”.

O que se viu, segundo esta entrevista com Eddie Cottle, autor do livro “Copa do Mundo da África do Sul: um legado para quem?” foi bem diferente disso: “O número de postos de trabalho foi estimado em 695.000 para os períodos pré e durante a Copa do Mundo. E o que aconteceu na realidade? No segundo trimestre de 2010, as taxas de empregabilidade diminuíram em 4,7%, ou seja, perdemos 627.000 postos de trabalho. No setor da construção civil, onde se tinha a sensação de que os ‘bons tempos’ seriam sentidos por todos, o emprego diminuiu 7,1% (ou 54.000 postos de trabalho) neste período. Na verdade, o ano de 2010 testemunhou com menos 111.000 postos de emprego na construção”

Outras Copas

O texto coloca que um dos pontos mais criticos em sediar um megaevento é a dívida que se cria ao deslocar recursos públicos que iriam para necessidades básicas das cidades – como saneamento, transporte público, educação, etc. – para estádios e obras específicas de mobilidade. Como exemplo, usa a Copa de 1994 nos Estados Unidos: “Estudos mostram que ao invés do lucro de 4 bilhões esperados com o megaevento, as cidades sofreram perdas que variaram entre $ 5,5 e $ 9,3 bilhões”. E continua: “Em Barcelona, o que se viu depois das Olimpíadas de 1992, foi um aumento significativo do custo de vida [de 20%, segundo pesquisa da Universidade Autônoma de Barcelona]. A cidade também sofreu com o desemprego, porque foram criados muitos postos temporários, com baixos salários. Com o fim do evento, havia uma massa de desempregados. Nas Olimpíadas de Montreal (1976) além do desemprego, a cidade sofreu com o corte de investimentos em áreas essenciais. Com isso sofrem os pobres, que são os que menos aproveitam os megaeventos”. Em Atlanta, após as Olimpíadas de 1996, o que ficou, segundo o artigo, foi um projeto de mobilidade urbana que não ajudou os cidadãos.

Despejos

“Estima-se que as Olimpíadas de 1988 em Seul resultou no despejo de 700.000 pessoas. Para os Jogos Olímpicos de Pequim, 300.000 foram expulsos de suas casas” diz o artigo. Em 2010, a ONU também fez um levantamento a respeito destes despejos, como a relatora especial da ONU para a moradia adequada, Raquel Rolnik, escreveu em seu blog em 2010: “Em Seul, em 1988, a Olimpíada afetou 15% da população, que teve de buscar novos locais para morar – 48 mil edifícios foram destruídos. Em Barcelona, em 1992, 200 famílias foram expulsas para a construção de novas estradas. Em Pequim, a ONU admite que 1,5 milhão de pessoas foram removidas de suas casas. A expulsão chegou a ocorrer em plena madrugada. Moradores que se opunham foram presos”.

Dinheiro público, beneficio privado

No Japão, estádios e espaços construídos com dinheiro público para a Copa do Mundo de 1992 foram parar nas mãos da indústria do entretenimento, que hoje os usa para espetáculos e jogos privados com ingressos caros, segundo o documento. Caso semelhante aconteceu no Rio de Janeiro: criada para sediar jogos do Pan-americano de 2007, a Arena Olímpica, que depois foi renomeada de HSBC Arena, hoje é administrado pelo HSBC e sedia eventos e espetáculos de empresas privadas.

Migração e desemprego

Para os pesquisadores, com pouco ou nenhum recurso sendo destinado às cidades que não sediarão os jogos, muitos migram destes lugares, atrás da oferta de empregos temporários gerados pelos megaeventos. Quando o trabalho temporário acaba, estas pessoas tendem a não voltar para suas cidades de origem, engrossando a massa de desempregados nas cidades. Este processo é agravado pelo aumento do custo de vida e pelos baixíssimos salários, que muitas vezes não permitem que estas pessoas voltem as cidades de origem.

 

WLADIMIR, DA DEMOCRACIA CORINTHIANA: “O FUTEBOL É UM PARAÍSO DE OPORTUNISTAS”

Por Ciro Barros

Como bom lateral que foi nos cerca de 20 anos de carreira, Wladimir faz fora do campo uma movimentação parecida àquela que fazia dentro dele. Ora se lança ao ataque e diz claramente suas posições, como faz com relação ao financiamento público do estádio do Corinthians: “Não concordo. Penso que o Estado deveria se ocupar de outros investimentos”. Ora recua, volta para marcar e assume posições mais cautelosas, como quando perguntado sobre o legado da Copa do Mundo: “Sou cético. Estou na expectativa”.

Vindo das categorias de base do Parque São Jorge, Wladimir Rodrigues do Santos ainda hoje é dono da marca histórica de ser o jogador que mais vezes vestiu a camisa do Corinthians, com 805 jogos – apesar de ter deixado o clube pela última vez em 1987. O ex-atleta foi revelado pelo Alvinegro em 1973 e ficou quase 14 anos no clube (entre 1986 e 1987 jogou pela Ponte Preta e pelo Santo André). “Hoje as equipes só se preocupam em formar atletas para colocar no mercado internacional” diz o homem que fez parte da Democracia Corinthiana, ao lado do grande Sócrates.

Na segunda entrevista da série que convida jogadores e apaixonados por futebol a pensar a Copa, Wladimir critica a falta de organização e infraestrutura do Brasil para abrigar o megaevento de 2014, fala sobre a mercantilização das categorias e base dos clubes e lembra as conquistas da Democracia Corinthiana. Leia:

Bom, para começar: o que você acha de o Brasil sediar a Copa do Mundo?

Eu diria que é um ato de coragem, em um país onde a gente carece de infraestrutura esportiva adequada e está tendo que fazer tudo em toque de caixa. Sem dúvidas, a gente acredita que o legado que ficará vai ser de grande valia para os esportistas de todo o Brasil.

Em que sentido?

No sentido de infraestrutura, no sentido de organização. Isso tudo eu espero que sirva de referência para que a gente consiga utilizar aqui no Brasil, além da infraestrutura, a organização que tem que imperar num torneio internacional, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Infelizmente ainda carecemos dessa organização e de infraestrutura.

Recentemente, o Copa Pública entrevistou o zagueiro Paulo André e ele disse a seguinte frase: “Hoje temos cargos políticos e não técnicos para conduzir o futebol”. Você concorda com ele?

Concordo. O futebol, na verdade, é um paraíso de oportunistas. As pessoas se acham no direito e na condição de gerenciarem, de administrarem o esporte mais popular do país sem o menor preparo, sem a menor ética, enfim.

Você fez parte da Democracia Corinthiana, movimento que ficou na história do futebol. Qual é a sua opinião sobre o papel do jogador de futebol hoje? Você acha que falta o jogador se posicionar com relação a vários aspectos do futebol, inclusive a realização da Copa do Mundo no Brasil?

Eles não se posicionam porque isso seria uma “saia-justa”, no caso de eles terem opinião contrária, até porque os números que envolvem o futebol hoje eu diria que contribuem para que cada um se posicione da forma que melhor lhe convém. Eles não estão preocupados com a infraestrutura do futebol, com a organização. Enfim, cada um busca os seus interesses.

Você falou um pouco sobre o legado que a Copa pode trazer em termos de infraestrutura. Mas você acha que a Copa do Mundo poderia servir para repensar a estrutura do futebol, esses cargos políticos, as condições de trabalho dos atletas, enfim, esse legado menos palpável?

Não porque a cultura do país é outra, é essa, é oportunismo. A oportunidade que impera. E aí, infelizmente, isso não vai ser resultado de uma Copa do Mundo, de uma Olimpíada, que vá mudar a mentalidade do nosso país.

Você foi jogador e é pai do Gabriel (lateral-direito, revelado pelo São Paulo, com passagens por Fluminense e Cruzeiro, e atualmente no Grêmio), que também é jogador. O que mudou em termos de formação de base do seu tempo para o tempo do Gabriel?

Eu diria que os clubes buscaram se estruturar melhor nas categorias de base, porque é ali que eles formam o seu patrimônio, mas está muito longe do ideal. Hoje, mais do que na minha época, se eles conseguirem formar um atleta no clube, com certeza muita gente vai ficar rica. Na minha época, não. Na minha época se formava os atletas para atender a equipe profissional. Hoje a gente forma jogador para colocar no mercado internacional. Isso chama-se oportunidade. Hoje a maioria dos dirigentes visam essa possibilidade, de estarem no meio e se beneficiarem dele.

O que você acha do financiamento do estádio do Corinthians ser feito com dinheiro do BNDES e da isenção fiscal?

Isso é complicado. Eu penso que o Estado poderia se ocupar de outros investimentos que atendessem um número maior da população, um número maior de bairros, enfim. Mas essa é a nossa cultura. O Morumbi foi construído dessa forma, com ajuda do Estado e por aí vai. Não concordo.

Você disse que o futebol é um mar de oportunistas. Quais são os principais interesses que cercam o futebol?

Se antes os clubes tinham a preocupação de formarem os seus atletas para servirem as suas equipes, para ter reforçado o seu grupo, hoje as equipes se preocupam em formar atletas para colocar no mercado internacional. E o atleta não tem culpa disso, porque isso vem de cima para baixo. Na nossa época era diferente. Na nossa época, por exemplo, eu tive algumas sondagens até para sair do Corinthians no início da carreira, e o Matheus [Vicente Matheus, presidente do Corinthians em oito mandatos (1959, 1972, 1973, 1975, 1977, 1979, 1987 e 1989 que faleceu em 1997] não aceitava nem conversar. Era um grupo, uma filosofia de trabalho totalmente diferente da de hoje. Hoje os clubes vivem para isso: formar atletas, que normalmente tratam como mercadoria porque não preparam esse atleta da forma como ele deveria ser preparado, não só esportivamente, mas intelectualmente também. Não existe essa preocupação. E [os clubes querem] colocar jogadores no mercado, esse é o interesse de hoje. Na minha época não existia isso.

Gostaria de voltar ao tema Democracia Corinthiana. Olhando para trás, como você avalia aquele momento?

Acho que aquele momento foi único. A gente vivia um tempo obscuro da nossa política, com muita centralização de poder e nós não tínhamos a oportunidade de eleger prefeito, governador, nossos mandatários. Hoje é diferente, já temos essa possibilidade. Então a gente acabou, na verdade, assumindo uma postura de buscar a redemocratização desse país, de contribuir para que o país tivesse uma abertura política. A gente fica feliz de ter podido contribuir naquele momento e eu acho que nós só exercemos o nosso papel de cidadãos.

Você acha que hoje falta um movimento semelhante dos atletas? Falta união, se não para cobrar democracia, para buscar melhores condições, questionar estruturas do futebol que já estão consolidadas?

Acho que as melhores conquistas a gente conseguiu. A nossa geração conseguiu. A Lei do Passe, por exemplo [Lei nº 6.354, de 1976] . Na nossa época a lei era escravagista, a gente não tinha liberdade de ir e vir. E a gente conquistou isso. Então, hoje, quando acaba o contrato do atleta ele está livre e isso é tudo que um trabalhador quer. Se ele não quiser mais ficar no clube, ele sai, e se o clube também não quiser, pode mandá-lo embora. São avanços que a nossa geração conseguiu. O universo do futebol é muito autoritário, e as coisas sempre acontecem de cima para baixo e hoje ninguém vai querer bater de frente com dirigentes, enfim. Hoje o marketing esportivo também contribui para que o volume de recursos do futebol seja muito maior e, portanto, eles têm muitas regalias e acabam não tendo interesse em buscar conquistas.

O que você acha que a Copa poderia trazer de discussão para o país que não está trazendo?

Eu diria que a Copa, assim como as Olimpíadas, traria para o Brasil um nível de discussão sobre o que representa o esporte, a atividade física na vida das pessoas, né? Com organização, com equipamentos de alto nível para que as pessoas possam se exercitar, isso gratuitamente. Eu acho que a atividade física, o lazer, é direito de todo cidadão e é um dever do Estado. Penso que o esporte de alto rendimento que é o que representa uma Copa do Mundo, uma Olimpíada, poderia servir de referência para o mundo inteiro, porque o mundo inteiro se une em torno destas competições. Aliás o Kofi Annan, que foi secretário-geral da ONU, fez um artigo uma vez para a Folha de São Paulo sobre como ele inveja a Copa do Mundo, que é um evento que mobiliza cada metro quadrado da terra, as pessoas discutem, existem regras claras de classificação e que ele gostaria, por exemplo, que houvesse uma competição entre esses países sobre o Índice de Desenvolvimento Humano, sobre a mortalidade infantil, sobre a fome. O futebol consegue mobilizar as pessoas, consegue fazer com que as pessoas deem as mãos sem nunca terem se visto e o esporte para mim é isso: confraternizar, respeitar a diversidade e a individualidade. As pessoas hoje vivem doze horas para trabalhar e só. Descansam pouco, se alimentam mal, voltam a trabalhar mais doze horas e o esporte alimenta a alma, né?

Pensando na Copa do Mundo de 2014, você acha que o Brasil dá mais esperança dentro ou fora das quatro linhas?

Olha, sou cético e acho que nem dentro e nem fora de campo. Estou na expectativa.

MARACA NOSSO OU MARACA DELES?

Por Ciro Barros

O Maracanã ainda é o nosso Maraca? A pergunta martela a cabeça do torcedor acostumado a frequentar “o maior do mundo” e que assiste aflito às reformas que transformam o estádio para sediar a Copa do Mundo de 2014.

O futuro do estádio mais querido do Brasil também inquieta a torcida, depois da decisão do governo do Rio de entregá-lo à administração privada pelos próximos 20 anos.

Não é a primeira vez que o Maracanã muda de cara – essa é a terceira reforma em treze anos – mas agora os setores populares da arquibancada perderam espaço. Desde abril de 2005, quando o estádio foi fechado para a reforma do Pan-Americano, a geral, o tradicional espaço popular do estádio, foi extinta e o campo rebaixado um metro e meio. No novo projeto, é preciso espremer os olhos para procurar os lugares populares.

Por isso, há alguns dias, torcedores e movimentos sociais integrantes da campanha “O Maraca é nosso”, realizaram um apitaço em frente ao prédio do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, com a intenção de garantir assentos em setores populares e barrar a privatização do estádio, enquanto o Brasil era derrotado pelo México, por 2 a 0.

Cobiçado pela iniciativa privada, o estádio, que foi construído e sucessivamente reformado com dinheiro público, é alvo do onipresente Eike Batista, depois que a Delta Construções, de Fernando Cavendish, amigo pessoal de Cabral, teve que deixar o comando da empresa após denúncias de envolvimento nos esquemas de corrupção de Carlinhos Cachoeira, preso pela Polícia Federal. Em seu blog, o jornalista Juca Kfouri, deu detalhes da transação: “A empresa IMX, de Eike Batista, foi a única a apresentar estudo de viabilidade econômica para assumir o controle do estádio. Dados do TRE confirmam que Eike Batista doou 750 mil à campanha de Sergio Cabral ao governo do estado, em 2010; segundo o jornal Folha de S. Paulo, o empresário anunciou ainda a doação de cerca de 139 milhões a projetos de interesse de Cabral”.

DINHEIRO PÚBLICO A RODO 

O volume de dinheiro público já investido na polêmica reforma reforça o questionamento sobre a privatização – $ 808 milhões de reais, de acordo com o último balanço do Governo Federal. Somadas às anteriores – para o Mundial de Clubes da Fifa foram, à época, R$ 106 milhões de reais, e para os Jogos Pan-Americanos de 2007, R$ 304 milhões, já com a justificativa de adaptá-lo às exigências da Fifa para a Copa 2014. Somando as três reformas e atualizando os valores, R$ 1,442 bilhão de reais saíram dos cofres públicos para essas obras, segundo levantamento feito pelo jornalista João Carlos Assumpção em conjunto com o economista Francisco Pessoa.

Tudo isso sem debater com a sociedade os rumos das mudanças que atingem o estádio mais querido do Brasil, mesmo fora do Rio de Janeiro: o Maracanã é um patrimônio histórico, arquitetônico e cultural brasileiro – cuja cobertura é inclusive tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Por isso o Copa Pública reuniu um time de aficionados pelo estádio para falar sobre sua relação com o “maior do mundo” e o que pensam dessa situação. Dos jornalistas esportivos como Mauro Cezar Pereira e Lúcio de Castro ao geógrafo norte-americano e membro da Associação Nacional de Torcedores (ANT), Chris Gafney, passando pelo capitão da mítica Seleção Brasileira de 1970, Carlos Alberto Torres e o integrante do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas que participou do apitaço em frente a casa de Cabral Gustavo Mehl. Sem esquecer de entrevistar um torcedor que mostra a que ponto chega a paixão pelo Maraca: Luiz Antonio Simas, mestre em História Social pela UFRJ, que escolheu seu primeiro apartamento pela proximidade do estádio, tamanha sua afeição.

AMOR

“A minha relação com o Maracanã é intensa e cheia de boas lembranças”  diz de cara o ex-jogador Carlos Alberto Torres. “Foi onde eu joguei profissionalmente pela primeira vez, no Fluminense, em 63, onde conquistei meu primeiro título profissional como jogador (64) e como treinador (83). E é também o lugar onde eu fiz a minha estreia na Seleção Brasileira. Só me traz boas lembranças”.

Do outro lado, na arquibancada, o historiador apaixonado Antonio Simas, sonhava com o dia em que iria morar perto do Maraca: “O Maraca é uma referência de infância, das minhas relações de afeto familiar. E lá eu vi os jogos mais inacreditáveis. Até pelada de garçom eu vi no Maracanã” define. “Quem mora aqui no Rio procura um apartamento próximo à praia, mas com sinceridade um dos critérios que eu usei para comprar um apartamento foi ele ser perto do Maracanã.”

Já para os jornalistas Lúcio de Castro e Mauro Cezes Pereira, trabalhar com esporte foi consequência de um amor quase religioso ao estádio: “Mal comparando, era a igreja que eu frequentava nos fins de semana. Eu tenho amigos até hoje que conheci no Maracanã, na arquibancada, na geral …” explica Mauro Cezar. Lúcio de Castro completa: “O Maracanã encerra alguma das minhas maiores lembranças. Tardes de domingo, o ritual da passagem com o pai, os bons amigos juntos, um dos mais caros pedaços de minha identidade e memória. A síntese de uma cidade que é a formadora da minha alma e identidade.”

Gustavo Mehl, do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas que participou do apitaço em frente a casa de Cabral vai além e diz que se não fosse o Maracanã, hoje seria uma pessoa bem menos interessante: “Eu e alguns amigos costumamos dizer que somos formados no estádio de futebol. Nas arquibancadas do Maraca dividi espaço e me relacionei com o mais pobre e o mais rico, o mais velho e o mais novo, reconheci pessoas e atitudes amigáveis e outras desprezíveis. Ali tive lições incríveis sobre nossa cultura e nossa forma de se comunicar, se relacionar, criar vínculos. Foi no Maracanã e em São Januário, não tenho dúvidas, que aprendi a me identificar como brasileiro, como carioca, como torcedor, como vascaíno, como pessoa. Como o filho do meu pai, meu companheiro no estádio. Se não fosse o Maracanã, hoje eu seria outra pessoa, certamente bem menos interessante”.

MAIOR DO MUNDO

Para Luiz Antonio Simas, falar sobre a importância do Maracanã para o Rio e para o Brasil é mais fácil quando a gente pensa na importância do próprio futebol para o povo brasileiro:”A gente tem que entender que o futebol para o Brasil tem uma dimensão muito grande. Nós somos um país que tem um passado escravocrata, um país com dificuldades sociais, e o futebol foi um dos meios que as camadas populares conseguiram pate obter uma ascensão. Então acaba sendo um traço de identidade nacional. O futebol aqui acaba sendo uma coisa que vai além do jogo. E o Maracanã é um ícone da cidade do Rio de Janeiro. Ele está tão entranhado na cidade, é uma referência tão grande, que parece que é um elemento da natureza do Rio como a praia”.

Gustavo Mehl engrossa o coro: “O Maracanã já não era um estádio: era um monumento vivo da cidade, patrimônio de todos os cariocas, espaço mítico e sagrado onde milhões de brasileiros de diversas gerações passaram algumas das experiências mais fortes de suas vidas. Demolir o cimento daquelas arquibancadas, da antiga geral, remover as velhas cadeiras, foi como demolir a memória de nosso povo, de nossa gente”.

“Quando o Maracanã foi imaginado, ele iria representar a democracia brasileira” compara Chris Gafney. “A forma mítica, a grandeza e a monumentalidade do estádio representavam um país emergente, se industrializando, entrando em democracia a todo vapor, na década de 50. Ao longo do tempo, o estádio figurava como um lugar público, popular e abria suas portas para outro mundo. Um dos poucos lugares da cidade onde o rico e o pobre se misturavam, se tocava, se gritava junto”, explica o geógrafo.

REFORMA

A paixão dos aficcionados pelo estádio se transforma em indignação quando o assunto é o tanto de reformas que ele tem sofrido nos últimos 13 anos. E alguns nem são totalmente contra elas, mas contra a forma com que foram conduzidas, como Mauro Cezar Pereira: “Determinadas transformações pelas quais o estádio passou eram necessárias porque são novos tempos, questões de segurança, que, de fato, por mais marcantes que fossem aqueles públicos monumentais de quase 200 mil pessoas, era evidente que aquilo não era seguro. Mas não a ponto de fazerem o que fizeram, que é uma descaracterização quase que total do estádio. O Maracanã está sendo violentado de uma maneira que desrespeita inclusive a própria história. E aí quem mostra como as coisas devem ser feitas são os alemães, que passaram antes da Copa de 2006 pelas pressões que o Brasil passou.”  Ele lembra que houve pressão por parte da Fifa para  descaracterizar o Estádio Olímpico de Berlim, mas que os alemães não se curvaram a isso: “Fizeram reformas e modernizaram o estádio. Mas você vai lá dentro e vê que aquela escadaria atrás dos gols, onde ficou a pira olímpica, onde aconteceu aquela cena marcante do Hitler em 1936 se recusando a cumprimentar atletas negros medalhistas de ouro. E olha que a Fifa até quis fechar aquele anel com alegações do tipo: ‘lembra o nazismo’. O estádio preserva traços originais. E vale lembrar que há estádios que foram usados por exemplo na Copa de 2010, na África do Sul, que não eram melhores que o Maracanã, como o Ellis Park.”

Chris Gafney acredita que o novo Maracanã deve representar a nova forma de mercantilizar a cultura: “O Maracanã é um sítio de conflito nas representações agora. Acho que o governo quer representar o Brasil para o mundo afora como um país ‘civilizado’. Então tem que ter a torcida comportada, tem que ter cadeira cativa, tem que ter camarote, ar condicionado, sala VIP…  Estamos pagando pelo estádio três, quatro vezes e por isso vamos ter que pagar ingressos mais caros, e também a manutenção é mais cara no estádio. O povo está sendo abusado nesse sentido, está sendo afastado de seu lugar popular e proibido de participar de sua cultura futebolística.”

“O crime é ainda mais violento porque é feito sem qualquer processo de consulta pública e participação popular, ignorando completamente os torcedores, que são os verdadeiros donos do estádio” acrescentaGustavo Mehl. “Impor cadeirinhas acolchoadas em todo o estádio, com lugares marcados, impossibilitando de assistirmos ao jogo onde e como quisermos, é o mesmo que matar um século de história e de desenvolvimento de nossa cultura, em nome de uma perspectiva de assistência europeia dos jogos”.

PRIVATIZAÇÃO

“Assim é fácil ser empreendedor! O Estado banca os custos e quando tudo estiver pronto, entrega-se para a iniciativa privada. Assim eu também escrevo um livro dando conta do belo empreendedor que sou, um midas.” Reflete Lúcio de Castro sobre a possibilidade de o estádio ser privatizado.

Luiz Antonio Simas  lembra que o Maracanã não é apenas um estádio: “O Maracanã tinha um projeto ligado à utilização como espaço público, por exemplo, tem um parque aquático, o Parque Júlio De Lamare, tem uma pista de atletismo, você tem um projeto social ligado ao Estado de permitir à população de baixa renda fazer atletismo, fazer natação de graça, e você está usando um bem que foi construído e reformado com dinheiro público para preparar isso e entregar à iniciativa privada. Qual é o retorno disso?”

Chris Gafney é mais sucinto: “O governo quer privatizar o estádio e dá-lo ao Eike Batista. Esse é um abuso de dinheiro público.”

“Aí vão dizer: ‘Ah, mas o Estado não pode administrar um equipamento tão caro’. Então por que faz a obra? ‘Ah, mas a Fifa exigiu’. Mas por que a gente tem que se curvar à Fifa? ‘Ah, então não teria Copa do Mundo aqui no Brasil’. Então não vamos ter Copa do Mundo no Brasil. Eu posso querer comprar uma Mercedes conversível não posso?” questiona Mauro Cezar Pereira.

Gustavo Mehl acredita que há interesses políticos poderosos envolvidos nesta questão: “A começar pelos interesses dos grupos empresariais da construção civil. Não é coincidência que a Delta, empreiteira do amigo pessoal do governador, denunciada no esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira, estivesse no consórcio construtor do novo Maracanã. Outros grupos também serão beneficiados pelo modelo oligopolista de controle de camarotes e espaços VIPs. As empresas são donas destes espaços e distribuem os ingressos de acordo com seus interesses”.

E O POVO? 

Chris Gafney lamenta que os movimentos sociais tenham demorado para começar a agir: “Quando anunciado que o Brasil sediaria a Copa, em 2007, era o momento de começar a agir. Em 2007 e 2008, quando estava sendo planejado o projeto olímpico era o momento para a gente vir à cena e não deixar a coisa rolar. Agora estamos vendo o que vai acontecer com o Maracanã  ficamos chocados e estamos reagindo. Acho que o problema é o seguinte: as pessoas não querem entender o futebol, o ato de torcer, como uma coisa política porque não queremos politizar nosso lazer, nossas próprias identidades. Mas para mexer com o futebol e suas estruturas, para humanizar o futebol de novo temos que politizar nossos atos de torcer.”

PALAVRA DE JOGADOR

Por Ciro Barros
Paulo André, do Corinthians: “Hoje temos cargos políticos e não técnicos para conduzir o futebol”

Será que a discussão sobre os impactos da realização da Copa do Mundo no Brasil não esqueceu de incluir ninguém? Especialistas, dirigentes, políticos, a própria Fifa… Muitas são as vozes ouvidas neste debate. Mas e os jogadores? O que os grandes protagonistas do evento têm a dizer sobre ele?

O Copa Pública convidou o zagueiro Paulo André, atualmente no Corinthians, para refletir sobre a organização da Copa do Mundo de 2014 e apresenta aqui um jogador que foge ao discurso insosso adotado por alguns de seus companheiros de profissão, ensaiados nos “media-training” das assessorias de imprensa, e não teme polêmicas, criadas a qualquer declaração das estrelas da festa, os jogadores.

“Muito provavelmente a gente não vai ter legado, não vai ter boas coisas após a Copa do Mundo a não ser dívidas milionárias que serão pagas por nossos impostos” diz sem medo de melindrar ninguém. Paulo André se preocupa com as condições de trabalho dos atletas, a decadência técnica e a gestão do futebol brasileiro. Articulado, o zagueiro é autor do livro “O Jogo da Minha Vida” (Editora Leya), lançado em 2012, e parece determinado a incluir de vez a voz dos protagonistas do futebol na sociedade.

O que você acha do Brasil sediar a Copa do Mundo?

Bom, inicialmente (sou a favor) sim. Como trata-se do maior evento esportivo do planeta e sendo o país do futebol, eu acho que é interessante para um país que está se desenvolvendo receber a Copa do Mundo. Então, na essência eu sou a favor. Mas aí quando você entra nos pormenores, nas entrelinhas, acho que o foco deveria ser o legado que deixa para as futuras gerações como centros esportivos e formação de jovens atletas. Muito provavelmente a gente não vai ter esse legado, não vai ter boas coisas após a Copa do Mundo a não ser dívidas milionárias pagas com os nossos impostos.

O atleta, enquanto protagonista da Copa do Mundo, enquanto protagonista da Copa do Mundo, poderia participar mais da organização da competição?

De alguma maneira os jogadores estão alienados com relação ao evento. A gente fica só esperando, a gente enquanto classe, assim como a população em geral, fica esperando 2014, a realização dos jogos para comemorar, para festejar e acaba ficando um pouco alheio a toda a política e tudo o que envolve essa montagem do palco, ou dos palcos para a Copa do Mundo. Não sei se caberia aos atletas se envolver na organização, porque essa discussão é entre governos federal, estadual e municipal, além é claro da Confederação e das Federações de futebol. Acho que ex-atletas deveriam ter cargos dentro dessas federações e confederações e aí sim representar de alguma maneira e através da sua experiência os atuais jogadores.

A Copa não poderia também levantar a bola da decadência técnica do futebol brasileiro?

Acho que não precisaríamos receber uma Copa do Mundo para perceber ou enxergar que a gente ficou um bom tempo estagnado. Só os últimos resultados da seleção e assistindo ao Barcelona podemos nos dar conta de que nós paramos no tempo e precisamos aprender coisas novas e evoluir. Então esse ano a gente já viu algumas coisas na CBF começando a ser discutidas. Estamos começando a nos movimentar de novo e eu espero que a gente saiba aonde quer chegar.

Então o futebol brasileiro aprendeu alguma coisa após os 4 a 0 que o Barcelona fez no Santos na final do último Mundial Interclubes? 

Acho que sim, até escrevi um texto no meu blog sobre isso. Acho que enquanto a gente perdia um jogo aqui e um jogo lá, ainda desconfiava de que éramos os melhores do mundo, o país do futebol, e que tínhamos os melhores jogadores. E esse jogo foi interessante por isso, porque a gente viu o Neymar, que é o nosso melhor jogador e a nossa grande esperança de alegria para a Copa do Mundo, saindo do jogo dizendo que o Santos tinha acabado de receber uma aula de futebol. Ou seja, ele foi muito honesto, sábio e fez uma leitura perfeita do jogo. Acho que a partir dali coisas começaram a se movimentar. Muito lentamente, acho que há um bom caminho a ser seguido, e esse caminho passa pela capacitação de profissionais não só na formação, mas na gestão do futebol do Brasil. Hoje nós temos cargos políticos e não temos cargos técnicos de pessoas qualificadas para levar o futebol no caminho que ele tem que ir.

 

 Hoje nós temos cargos políticos e não temos cargos técnicos de pessoas qualificadas para levar o futebol no caminho que ele tem que ir

 

O que você acha que precisaria ser mudado no futebol brasileiro em termos de gestão e de formação de atletas? 

Bom, com relação à gestão é como eu disse: quem quer assumir a CBF, ou está lá, tem que saber exatamente aonde quer chegar. Qual é o tipo de jogo que o Brasil quer apresentar daqui a dez anos? Como fazer isso? Como formar esses jogadores? É preciso acompanhar isso do começo. É lógico, nem tudo é errado, nem tudo está perdido, mas tem muitas coisas que podem ser mudadas e melhoradas. Infelizmente hoje, temos que copiar os outros, a gente não está mais inventando toda a coisa. Com relação à formação, acho que um calendário único (poderia ser feito) para que você possa otimizar a formação e não pensar em resultado. Na minha opinião, teríamos que dar mais tempo aos jovens. A gente é muito precoce e nossos jogadores, com 17, 18 anos já têm que estar no profissional quando eles não estão maduros o suficiente para isso. Eles não têm uma formação adequada não só dentro de campo, como principalmente fora de campo, como cidadãos e seres humanos.

Falta investimento no esporte no Brasil de uma maneira geral? Os atletas, por uma série de fatores, deixam de reivindicar e pleitear mais investimento?

Acho que o futebol é um caso a parte. O futebol tem investimento necessário e os clubes recebem bastante dinheiro para sobreviver. Os outros esportes, os olímpicos em especial, passam enormes dificuldades, pois não há investimento na formação dos atletas e esse investimento só ocorre quando os atletas já são campeões mundiais ou olímpicos e chegaram lá de alguma forma que não através do investimento do governo. Sem dúvida nenhuma, uma grande parcela de culpa é dos atletas que não se unem e não reivindicam os seus direitos ou melhorias e todo mundo tem medo de falar pela possibilidade de ser retaliado depois. Ou seja, você tem um fenômeno no atletismo que acabou de surgir em que a pessoa não pode falar mal da federação ou da confederação porque ela depende daquele dinheirinho que recebe mensalmente para sobreviver e para viajar para os campeonatos. Então, é bem difícil. Esses dias o Aldo Rebelo falou uma coisa que me chamou bastante a atenção e acho que ele tem razão. Ele disse: não falta dinheiro para as federações e confederações, o que falta é capacidade de gestão. E os políticos que estão lá há mais de dez anos, na maioria dos casos, estão ultrapassados e não têm a menor ideia do que é gerir uma federação ou confederação de esporte, seja do futebol ou dos esportes olímpicos.

Como você reagiu quando o Ronaldo, que foi seu companheiro de elenco, assumiu o Comitê Organizador Local (COL)? Você acha que há conflito de interesses por ele ter uma agência que gere a carreira de alguns atletas? 

Acho que o Ronaldo é um cara que quer fazer bem para o Brasil e que quis ajudar o país a ter uma boa imagem e a observar o que estava acontecendo ali dentro. Talvez não tenha sido bem explicado qual seria a função dele, ou a obrigação dele como um representante do COL e isso passou meio que batido. Mas o Ronaldo é uma pessoa idônea e o mínimo que a gente pode esperar dele é que ele busque o bem do futebol e o bem do país. Não consigo cobrar, mesmo ele sendo meu amigo, e não sei se eu consigo cobrá-lo como brasileiro porque eu não sei qual é a função dele. O COL vem sendo muito criticado e tem tido muitos problemas.

Então o que vai ficar para os jogadores depois da Copa? O que um jogador iniciante que está lendo esta entrevista pode esperar?

Sem ser muito pessimista, eu vejo os estádios que estão sendo construídos, teoricamente de última geração, que vão melhorar um pouco a qualidade e as condições de trabalho dos atletas. Na formação, a gente vê pouca coisa mudando devido à Copa. Então acho que de legado mesmo, só os estádios. Fora isso, pouca coisa vai mudar.

http://apublica.org/2012/05/palavra-de-jogador/