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A MERECIDA VITÓRIA CORINTIANA EM UMA NOITE PARA O PALMEIRENSE ESQUECER

Foram 66% de posse de bola alviverde contra apenas 34% do alvinegro, além de 13 finalizações contra oito. Nos cruzamentos outra larga vantagem, 28X12. O Palmeiras acertou 372 passes contra somente 153 do Corinthians.

Não parece, mas o Corinthians mereceu vencer o primeiro derby do centenário duelo. Claramente inferior tecnicamente, quem ditou o ritmo do jogo foi justamente o dono da casa. E não haveria outro modo de encarar o campeão brasileiro se não imprimir um jogo físico, de poucos espaços e pressão na saída de bola. Caberia ao Palmeiras sair desse jogo claramente favorável ao adversário e colocar a bola no chão, distribuir melhor seu jogo com inversão de lados e mais movimentação do meio campo. Não o fez, quis entrar no duelo pegado do Corinthians e, neste quesito, perdeu feio.

Ainda assim Keno poderia ter definido o duelo na primeira etapa, quando mandou bola no travessão de Cássio e perdeu – sim, perdeu- gol feito após lançamento primoroso de Felipe Mello. O Corinthians tinha em Gabriel o expoente de seu jogo, vibrado, pegado e de superação. E quase saiu de uma linda pancada de fora da área do ex-palmeirense o gol corintiano.

E ao falar de Keno, entro nos (de) méritos individuais alviverdes. Keno foi muito mal, tanto no aspecto técnico quanto no aspecto moral. Por mais que no futebol seja prática corriqueira o uso de aspectos de persuasão, tem uma Sapopemba de diferença você simular uma falta e apontar para um jogador adversário uma culpa que não lhe compete, que foi exatamente o que Keno fez na lamentável e estapafúrdia expulsão de Gabriel. Um lance já exaustivamente discutido e que não deixa nenhuma margem para ponderação. Foi sim um erro crasso do juiz, que poderia tranquilamente ter dado ouvido aos conselhos do 4º árbitro e não o fez. E Keno, ao ver que o vermelho fora aplicado ao jogador errado, olha para o banco alviverde e comemora. Vexatório!

Para a segunda etapa, tendo um jogador a mais e com Felipe Mello com um corte muito feio no supercilio, era muito mais jogo Eduardo Batista manter Raphael Veia no jogo para ser o armador do time e entrar com Guerra na vaga de Felipe Mello. As trocas de Eduardo foram basicamente seis por dúzia, já que na sequencia Felipe Mello pediu para sair e em seu lugar ele mandou Thiago Santos. Taticamente nenhuma mudança ao jogo de ataque contra defesa que virou a partida, onde o Palmeiras teve pouca ou quase nenhuma efetividade. Uma cabeçada de Keno a queima roupa em que Cássio fez grande defesa e um gol impedido de Mina em uma infindável maratona de cruzamentos quase sempre muito bem anulados pela defesa corintiana.

No mesmo dia e que o Palmeiras viu Lucas Barrios ir para o Grêmio, viu também Alecssandro entrar e não fazer absolutamente nada, além de tomar um cartão amarelo merecido, em mais uma substituição sem nenhum acréscimo tático de Eduardo Batista.

E foi no gol corintiano, onde a falha de um Guerra que claramente não entendeu ainda o que significa um derby contra um vigoroso Maicom, que em seu bote certeiro praticamente deu o gol da vitória ao alvinegro marcado por Jô, fica clara a maneira com que Fábio Carille preparou o seu Corinthians para encarar um derby centenário como ele deve ser, enquanto o Palmeiras de Eduardo Batista, com certa empáfia, entrou para disputar apenas mais um jogo de Campeonato Paulista.

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O PROBLEMA NÃO É DO METRÔ

E de repente, do dia para noite, ou da noite para o dia, melhor dizendo, descobriu-se o óbvio, o ululante – futebol às 22 da madrugada não permite que o torcedor retorne para sua casa usufruindo do sistema de metrô.

Só que é assim desde mil novecentos e guaraná com rolha. Quantas centenas de vezes não tive que sair antes do término dos jogos no Pacaembu para poder usar o metrô e não ser obrigado a me desfazer de consideráveis quantias monetárias depositadas nas mãos de taxistas?

Resposta: Nenhuma. Mas é porque muitas vezes me faltam parafusos ou estou de carona. Mas e quem não lida com essa situação da mesma maneira?

Ai sim, se lasca todo.

Mas como num passe de mágica isso virou questão de estado. Os dirigentes passaram a cobrar as autoridades. As autoridades concordaram em receber os dirigentes. A mídia se deu conta, todo mundo agora comenta.

Só que o problema desse imbróglio todo não é o metrô. Ele funciona dentro deste mesmo horário desde sempre. Quem modificou seu modus operandi e f***u o torcedor foi a televisão detentora dos direitos de tudo do esporte Rei. Antes os jogos aconteciam estourando às 21, 21:30 e olhe lá. O que dava um tempinho hábil para um deslocamento estratégico até a estação mais próxima sem ter que se desfazer do lazer adquirido.

Só que ninguém vai marcar audiência com a TV Globo porque aí é mexer num baita de um vespeiro, como bem frisou Antero Greco. Finge-se então que não se sabe onde está o problema, mas todo mundo sabe, sim.

Se eventualmente o metrô descobrir uma maneira de poder atender essa demanda, palmas para o sistema, que terá assumido uma responsabilidade que até agora não é sua. E nessa, mais uma vez, a Globo sai incólume. Parabéns aos envolvidos.

Outra ponderação necessária de se fazer. Se há anos vivemos esse problema e ninguém se “dava conta”, por qual razão, como num passe de mágica, todo mundo ficou incomodado com os torcedores tendo que abandonar um belo jogo corintiano na Arena Corinthians?

Será que é porque antes o deslocamento se dava da “zêéle” para o centro/sul/oeste e agora o trâmite se dá em mão inversa?

Sei lá, só pensei.

saida-torcida07

WLADIMIR, DA DEMOCRACIA CORINTHIANA: “O FUTEBOL É UM PARAÍSO DE OPORTUNISTAS”

Por Ciro Barros

Como bom lateral que foi nos cerca de 20 anos de carreira, Wladimir faz fora do campo uma movimentação parecida àquela que fazia dentro dele. Ora se lança ao ataque e diz claramente suas posições, como faz com relação ao financiamento público do estádio do Corinthians: “Não concordo. Penso que o Estado deveria se ocupar de outros investimentos”. Ora recua, volta para marcar e assume posições mais cautelosas, como quando perguntado sobre o legado da Copa do Mundo: “Sou cético. Estou na expectativa”.

Vindo das categorias de base do Parque São Jorge, Wladimir Rodrigues do Santos ainda hoje é dono da marca histórica de ser o jogador que mais vezes vestiu a camisa do Corinthians, com 805 jogos – apesar de ter deixado o clube pela última vez em 1987. O ex-atleta foi revelado pelo Alvinegro em 1973 e ficou quase 14 anos no clube (entre 1986 e 1987 jogou pela Ponte Preta e pelo Santo André). “Hoje as equipes só se preocupam em formar atletas para colocar no mercado internacional” diz o homem que fez parte da Democracia Corinthiana, ao lado do grande Sócrates.

Na segunda entrevista da série que convida jogadores e apaixonados por futebol a pensar a Copa, Wladimir critica a falta de organização e infraestrutura do Brasil para abrigar o megaevento de 2014, fala sobre a mercantilização das categorias e base dos clubes e lembra as conquistas da Democracia Corinthiana. Leia:

Bom, para começar: o que você acha de o Brasil sediar a Copa do Mundo?

Eu diria que é um ato de coragem, em um país onde a gente carece de infraestrutura esportiva adequada e está tendo que fazer tudo em toque de caixa. Sem dúvidas, a gente acredita que o legado que ficará vai ser de grande valia para os esportistas de todo o Brasil.

Em que sentido?

No sentido de infraestrutura, no sentido de organização. Isso tudo eu espero que sirva de referência para que a gente consiga utilizar aqui no Brasil, além da infraestrutura, a organização que tem que imperar num torneio internacional, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Infelizmente ainda carecemos dessa organização e de infraestrutura.

Recentemente, o Copa Pública entrevistou o zagueiro Paulo André e ele disse a seguinte frase: “Hoje temos cargos políticos e não técnicos para conduzir o futebol”. Você concorda com ele?

Concordo. O futebol, na verdade, é um paraíso de oportunistas. As pessoas se acham no direito e na condição de gerenciarem, de administrarem o esporte mais popular do país sem o menor preparo, sem a menor ética, enfim.

Você fez parte da Democracia Corinthiana, movimento que ficou na história do futebol. Qual é a sua opinião sobre o papel do jogador de futebol hoje? Você acha que falta o jogador se posicionar com relação a vários aspectos do futebol, inclusive a realização da Copa do Mundo no Brasil?

Eles não se posicionam porque isso seria uma “saia-justa”, no caso de eles terem opinião contrária, até porque os números que envolvem o futebol hoje eu diria que contribuem para que cada um se posicione da forma que melhor lhe convém. Eles não estão preocupados com a infraestrutura do futebol, com a organização. Enfim, cada um busca os seus interesses.

Você falou um pouco sobre o legado que a Copa pode trazer em termos de infraestrutura. Mas você acha que a Copa do Mundo poderia servir para repensar a estrutura do futebol, esses cargos políticos, as condições de trabalho dos atletas, enfim, esse legado menos palpável?

Não porque a cultura do país é outra, é essa, é oportunismo. A oportunidade que impera. E aí, infelizmente, isso não vai ser resultado de uma Copa do Mundo, de uma Olimpíada, que vá mudar a mentalidade do nosso país.

Você foi jogador e é pai do Gabriel (lateral-direito, revelado pelo São Paulo, com passagens por Fluminense e Cruzeiro, e atualmente no Grêmio), que também é jogador. O que mudou em termos de formação de base do seu tempo para o tempo do Gabriel?

Eu diria que os clubes buscaram se estruturar melhor nas categorias de base, porque é ali que eles formam o seu patrimônio, mas está muito longe do ideal. Hoje, mais do que na minha época, se eles conseguirem formar um atleta no clube, com certeza muita gente vai ficar rica. Na minha época, não. Na minha época se formava os atletas para atender a equipe profissional. Hoje a gente forma jogador para colocar no mercado internacional. Isso chama-se oportunidade. Hoje a maioria dos dirigentes visam essa possibilidade, de estarem no meio e se beneficiarem dele.

O que você acha do financiamento do estádio do Corinthians ser feito com dinheiro do BNDES e da isenção fiscal?

Isso é complicado. Eu penso que o Estado poderia se ocupar de outros investimentos que atendessem um número maior da população, um número maior de bairros, enfim. Mas essa é a nossa cultura. O Morumbi foi construído dessa forma, com ajuda do Estado e por aí vai. Não concordo.

Você disse que o futebol é um mar de oportunistas. Quais são os principais interesses que cercam o futebol?

Se antes os clubes tinham a preocupação de formarem os seus atletas para servirem as suas equipes, para ter reforçado o seu grupo, hoje as equipes se preocupam em formar atletas para colocar no mercado internacional. E o atleta não tem culpa disso, porque isso vem de cima para baixo. Na nossa época era diferente. Na nossa época, por exemplo, eu tive algumas sondagens até para sair do Corinthians no início da carreira, e o Matheus [Vicente Matheus, presidente do Corinthians em oito mandatos (1959, 1972, 1973, 1975, 1977, 1979, 1987 e 1989 que faleceu em 1997] não aceitava nem conversar. Era um grupo, uma filosofia de trabalho totalmente diferente da de hoje. Hoje os clubes vivem para isso: formar atletas, que normalmente tratam como mercadoria porque não preparam esse atleta da forma como ele deveria ser preparado, não só esportivamente, mas intelectualmente também. Não existe essa preocupação. E [os clubes querem] colocar jogadores no mercado, esse é o interesse de hoje. Na minha época não existia isso.

Gostaria de voltar ao tema Democracia Corinthiana. Olhando para trás, como você avalia aquele momento?

Acho que aquele momento foi único. A gente vivia um tempo obscuro da nossa política, com muita centralização de poder e nós não tínhamos a oportunidade de eleger prefeito, governador, nossos mandatários. Hoje é diferente, já temos essa possibilidade. Então a gente acabou, na verdade, assumindo uma postura de buscar a redemocratização desse país, de contribuir para que o país tivesse uma abertura política. A gente fica feliz de ter podido contribuir naquele momento e eu acho que nós só exercemos o nosso papel de cidadãos.

Você acha que hoje falta um movimento semelhante dos atletas? Falta união, se não para cobrar democracia, para buscar melhores condições, questionar estruturas do futebol que já estão consolidadas?

Acho que as melhores conquistas a gente conseguiu. A nossa geração conseguiu. A Lei do Passe, por exemplo [Lei nº 6.354, de 1976] . Na nossa época a lei era escravagista, a gente não tinha liberdade de ir e vir. E a gente conquistou isso. Então, hoje, quando acaba o contrato do atleta ele está livre e isso é tudo que um trabalhador quer. Se ele não quiser mais ficar no clube, ele sai, e se o clube também não quiser, pode mandá-lo embora. São avanços que a nossa geração conseguiu. O universo do futebol é muito autoritário, e as coisas sempre acontecem de cima para baixo e hoje ninguém vai querer bater de frente com dirigentes, enfim. Hoje o marketing esportivo também contribui para que o volume de recursos do futebol seja muito maior e, portanto, eles têm muitas regalias e acabam não tendo interesse em buscar conquistas.

O que você acha que a Copa poderia trazer de discussão para o país que não está trazendo?

Eu diria que a Copa, assim como as Olimpíadas, traria para o Brasil um nível de discussão sobre o que representa o esporte, a atividade física na vida das pessoas, né? Com organização, com equipamentos de alto nível para que as pessoas possam se exercitar, isso gratuitamente. Eu acho que a atividade física, o lazer, é direito de todo cidadão e é um dever do Estado. Penso que o esporte de alto rendimento que é o que representa uma Copa do Mundo, uma Olimpíada, poderia servir de referência para o mundo inteiro, porque o mundo inteiro se une em torno destas competições. Aliás o Kofi Annan, que foi secretário-geral da ONU, fez um artigo uma vez para a Folha de São Paulo sobre como ele inveja a Copa do Mundo, que é um evento que mobiliza cada metro quadrado da terra, as pessoas discutem, existem regras claras de classificação e que ele gostaria, por exemplo, que houvesse uma competição entre esses países sobre o Índice de Desenvolvimento Humano, sobre a mortalidade infantil, sobre a fome. O futebol consegue mobilizar as pessoas, consegue fazer com que as pessoas deem as mãos sem nunca terem se visto e o esporte para mim é isso: confraternizar, respeitar a diversidade e a individualidade. As pessoas hoje vivem doze horas para trabalhar e só. Descansam pouco, se alimentam mal, voltam a trabalhar mais doze horas e o esporte alimenta a alma, né?

Pensando na Copa do Mundo de 2014, você acha que o Brasil dá mais esperança dentro ou fora das quatro linhas?

Olha, sou cético e acho que nem dentro e nem fora de campo. Estou na expectativa.