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RJ: AS CASAS VÃO CAIR.

Por: Andrea Dip
No morro da Providência, casas continuam sendo marcadas e demolidas para a construção de um teleférico para turistas destinado à Copa do Mundo. Com aluguel social de 400 reais, as famílias que deixam suas casas não encontram onde morar. Por isso, muitas ainda resistem
A casa de Neusimar, trabalhadora autônoma que mora com a família de sete pessoas no Morro da Providência, no Rio de janeiro, está marcada com a sigla SMH (Secretaria Municipal de Habitação). Isso significa que ela vai cair. Todas as casas e prédios vizinhos já foram demolidos porque os moradores aceitaram o aluguel social oferecido pela prefeitura, no valor de 400 reais.

O morro vai sediar o projeto Porto Maravilha, com teleférico e plano inclinado para os turistas que virão para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 – como a Pública mostrou em janeiro. Por isso a comunidade tem sofrido remoções compulsórias.

Neusimar resiste porque não quer sair da casa onde sua mãe nasceu e cresceu com toda a família para um futuro incerto: “Onde vamos achar uma casa para alugar por  400 reais? Quem vai querer alugar uma casa para mim? Estou desempregada, minha mãe é doente, temos uma família grande. Não estamos aqui por teimosia, mas não vamos sair para ficar como as pessoas que a gente vê sair e ficar na rua porque não conseguem alugar nada” explica. Ela conta que sente a sua situação mais complicada a cada dia: “Está tudo no chão ao redor da minha casa, afetou a estrutura, agora estamos mesmo em situação de risco”.

Histórias como a dela são contadas no vídeo Morro da Providência, do coletivo #Entre Sem Bater, formado por alunos da Escola Popular de Comunicação Crítica (Espocc) – projeto do Observatório de Favelas que oferece a jovens e adultos, moradores de espaços populares do Rio de Janeiro, acesso a diferentes linguagens, conceitos e técnicas na área da comunicação. O mini documentário foi feito como um trabalho de conclusão de curso, mas o coletivo cresceu e os envolvidos continuam a pesquisar e documentar as remoções no Morro da Providência e outros lugares.

Além das remoções, o vídeo mostra os preparativos para a demolição da quadra do morro, onde eram feitos campeonatos de futebol e os ensaios da escola de samba da comunidade. Leo Dias, fotógrafo e integrante do Entre Sem Bater, conta que logo após a conclusão do filme a quadra foi abaixo e deu lugar à construção da torre do teleférico.

 

 

“FUI TRATADO COMO CACHORRO”, DIZ EX-FUNCIONÁRIO DA ARENA AMAZONAS.

Por: Andrea Dip
Após denúncia ao Ministério Público, trabalhadores da Arena Amazônia fazem paralisação e são demitidos. A Pública falou com dois ex-funcionários da obra. Ambos falam em descaso e assédio.

O mecânico V. (que não quer se identificar por temer represálias de seus ex-patrões), 43 anos, trabalhou durante um ano e um mês nas obras da Arena Amazônia em Manaus. Hoje, move um processo contra a empresa Andrade Gutierrez por danos morais. Ele entrou em contato com a Pública após a publicação da entrevista com o procurador do Ministério Público do Trabalho, Jorsinei Dourado, a respeito da denúncia de 500 trabalhadores da Arena sobre maus tratos sofridos no emprego.

V. diz que hoje toma remédios controlados para depressão e ansiedade, além de ter ficado com danos irreversíveis na coluna devido a uma lesão que sofreu na obra por carregar muito peso: “Mandaram quatro mecânicos embora e eu tive de fazer o trabalho deles sozinho” conta. Ele também diz que quebrou o dedo em um acidente de trabalho e, além de não ter sido socorrido, descobriu que não tinha convênio médico – apesar do valor correspondente ao benefício ter sido descontado do salário durante todos o período em que trabalhou lá: “Quando fui questionar a chefia sobre isso, fui demitido” lembra V., que hoje faz  entregas com sua pick up para sobreviver.

“Não tenho curso superior, mas sei como o ser humano deve ser tratado e lá eu fui tratado como cachorro”

O advogado de V., Aron Pereira Whibbe, diz que seu escritório cuida de cerca de 15 ações movidas contra a Andrade Gutierrez por trabalhadores de obras da Copa em Manaus: “Danos morais, acúmulo de função, não pagamento do plus salarial e desvio de função, são os motivos principais” descreve. “No caso de V. nós estamos pedindo a reintegração, já que ele foi demitido após sofrer um acidente no trabalho e isso é proibido por lei; o pagamento destes salários que ele deixou de receber e danos morais”. Whibbe diz que a Andrade Gutierrez não costuma se manifestar ou discutir acordos: “Ela sempre recorre e leva até a última instância. Ao menos é isso que fez até agora”.

No dia 22 de março, cerca de 150 funcionários da Arena entraram em greve reivindicando ajustes salariais, o pagamento correto de horas extras e o fim do assédio por parte dos patrões. Aos jornais locais, os trabalhadores reafirmaram sofrer humilhações e ameaças constantes de demissão. A investigação por parte do MPT-AM, que dá continuação à advertência emitida em fevereiro, segue em sigilo.

Nesta quarta- feira (28) a Andrade Gutierrez se reuniu pela segunda vez com o Ministério do Trabalho e Emprego do Amazonas (a primeira foi no dia da paralisação, quando a empresa teria acordado dentre outras coisas a não demitir os funcionários) e, segundo o superintendente  do Trabalho e Emprego do Amazonas, Dernilson Chagas, concordou em reajustar os salários e benefícios dos trabalhadores.

O Fórum Popular da Copa de 2014 em Manaus, que estava presente na última reunião, afirmou que cerca de 200 funcionários grevistas foram demitidos por conta do ato. E que mesmo com a intermediação da Superintendência Regional do Trabalho, a construtora alegou que não seria possível readimiti-los por questões técnicas. A Pública conversou com um destes trabalhadores, o marceneiro Levy (que preferiu não dar o sobrenome). Ele confirmou as demissões: “Eles desceram, pegaram os nossos crachás e tivemos que ir embora. Nos trataram como capachos. Foram muitos pais de família demitidos e eles tinham prometido que não iriam demitir” disse por telefone.

O superintendente Dernilson falou em 48 demissões, todas por justa causa: “A empresa diz que acabaram as atividades destes trabalhadores na empresa”.

Leia a entrevista com V:

Quanto tempo o senhor trabalhou nas obras da Arena Amazônia?

Durante um ano e um mês. Hoje eu tomo 3 remédios controlados por causa da situação que passei lá: para a cabeça, para a coluna e para ansiedade. Também faço fisioterapia porque tive danos na lombar por carregar muito peso.

Mas por que carregava tanto peso?

Porque mandaram quatro mecânicos embora e eu fazia o trabalho deles. Trabalhava com caminhões, era pesado: de segunda a sábado das sete e meia da manhã às cinco da tarde, com pausa para o almoço às 10 da manhã. Mas este não foi o único acidente. Eu também quebrei o dedo na obra e não só não fui atendido como eles não fizeram a CAT (comunicado de acidente de trabalho). Tive de procurar um hospital público porque descobri que não tinha convênio médico, apesar de ter direito. Não me deram nenhum dia de folga.

Se o senhor tinha direito ao plano de saúde, porque não pôde ser atendido em um hospital do convênio?

Pois é, fui questionar a assistente social e ela mesma me disse que eu poderia processar a empresa, porque eu tinha esse direito. Aí fui perguntar para o meu chefe e ele disse que tinham esquecido de me dar o contrato do plano para assinar! Quando disse que procuraria meus direitos eles me demitiram. Nem poderiam me demitir, porque quando a gente sofre acidente no trabalho, ganha uma licença e fica seguro no emprego por um ano. Mas eles não respeitam nada. Tenho tudo documentado, tudo isso provado. O diretor chegou a me chamar para pedir desculpas e perguntar se eu tinha denunciado a empresa para o Ministério do Trabalho. Disse que não, mas que conhecia meus direitos. Fui demitido.

Como era o clima de trabalho lá?

Era ruim. Eles trabalham com metas então a gente tinha cumprir de qualquer jeito. Era uma pressão muito grande. Por isso tanta gente denunciou a empresa por assédio. Eu vi gente se socar lá dentro. Mas eles abafam essas coisas. Um dia que não esqueço mais foi quando eles me deram uma camisa da FIFA. Aí fui trabalhar com ela, passei pelo meu chefe, pelo moço do Recursos Humanos, pelo porteiro e ninguém disse nada. Quando estava no refeitório, com mais de 200 pessoas, meu chefe, o rapaz do RH e um segurança foram me tirar do almoço dizendo que eu não podia trabalhar com aquela camisa. Na frente de todos, foi a maior humilhação. Olha, eu não tenho curso superior mas sei como o ser humano deve ser tratado. E lá eu fui tratado como cachorro.

E o processo, como anda?

A audiência vai ser em junho e eu espero que a empresa pague pelo que fez. Não está certo. Eu faço fisioterapia até hoje, tomo esses remédios controlados, minha vida virou um inferno. Tenho 43 anos e sou mecânico mas tenho que fazer carreto para sobreviver por causa dos danos na coluna.

ANDREW JENNINGS: “AGORA O TEIXEIRA TEM QUE RENUNCIAR À FIFA”

Em entrevista à Pública o jornalista britânico Andrew Jennings, responsável por denúncias de propinas milionárias pagas a Ricardo Teixeira, comemora a renúncia do ex-presidente da CBF

Por: Natalia Viana

Ao atender o telefone, do Reino Unido, Andrew Jennings responde entusiasmadamente: “Nós pegamos ele, não pegamos?”.

Jennings, parceiro da Pública, foi o autor da reportagem da BBC que denunciou as propinas de US$ 9,5 milhões de dólares dadas a Ricardo Teixeira e US$ 1 milhão ao ex-presidente da FIFA, e seu ex-sogro, João Havelange, para garantir à empresa de marketing esportivo ISL contratos de exclusividade em patrocínios da Copa do Mundo. O caso foi investigado pela Justiça suíça e se tornou um escândalo mundial.

Autor do livro “Jogo Sujo – o Mundo Secreto da Fifa“, ele chegou a prestar depoimento no Senado brasileiro explicando a história em outubro do ano passado – e apresentou documentos sobre a investigação da corte suíça.

Jennings, que se dedica há mais de 20 anos a denunciar corrupção na FIFA, à qual chama de “máfia”, profetiza: “Hoje é Teixeira, amanhã será Blatter”.

O que você acha do Ricardo Teixeira?

O Ricardo Teixeira não tem interesse em futebol, nunca ouvi falar que ele se interessasse pelo jogo. Bom, ele foi sortudo: conseguiu casar com a filha do chefe: foi colocado como presidente da CBF, um empregão. E ele construiu uma longa história de corrupção na CBF. Como ele conseguiu ficar sem punição cometendo crimes por tanto tempo? Porque ele era protegido por pessoas. Cabe aos jornalistas brasileiros denunciar quem eram os políticos que protegiam o Teixeira no Congresso, quem barrava as investigações contra ele.

Você o conheceu?

Sim, claro. Eu o conheci 16 meses atrás, quando fiz plantão diante da sua porta quando ele estava na Suíça. Quando ele apareceu, perguntei: “Senhor Teixeira, o senhor recebeu propinas da ISL?” Ele me empurrou e não respondeu nada.

No ano passado o Teixeira ameaçou te processar, certo?

Sim. Em junho ele enviou dois advogados na FIFA até a BBC para me entregar uma intimação, mas a BBC se recusou a receber. Eles tentaram, não sabiam que eu não morava em Londres e que a BBC iria se recusar a receber documentos do tribunal no Rio. Quando eu fui ao Brasil em outubro, eles tentaram de novo me entregar essa intimação no Senado, mas eu me escondi atrás de uns guarda-costas do Senado, eu apreciei a ajuda deles.

O Teixeira queria me processar por uma entrevista que eu dei para o Romário e saiu no site dele. O Teixeira ficou muito nervoso porque Romário é uma grande estrela no Brasil, ele não podia mais falar que sou apenas um inglês louco.

Aliás, o Romário disse a coisa certa: é como se um câncer tivesse sido tirado da CBF. O Romário tem sido excelente há meses, tem atacado o Teixeira, enquanto o Ronaldo está beijando a sua bunda e ficando mais gordo.

A saída do Ricardo Teixeira vai mesmo fazer alguma diferença, ou vai ficar na mesma?

Temos que esperar para ver. O Brasil não precisa da gangue do Teixeira. Vocês têm pessoas eficientes para fazer a Copa do Mundo, tecnocratas bons, pessoas que podem organizar tudo muito bem. Não precisam desses oficiais da CBF roubando dinheiro. Mas ainda não sabemos se vai melhorar a CBF sem o Teixeira. Acho que isso só vai ser uma mudança real se a Dilma e o Aldo Rebelo disserem: não é só o Teixeira, fora com todos os outros ladrões.

A Dilma tem esse poder?

Claro. Na sexta-feira, quando o Blatter voar para Brasília para encontrá-la, os oficiais da imigração brasileira deveriam mandá-lo de volta.

Já houve um enorme atrito após o Jerome Valcke dizer que o Brasil deveria levar um chute no traseiro…   

Sim. E a Dilma estava certa em pedir para ele ser retirado das negociações. Ele não pode pedir desculpas agora que já falou. E não há razões para o Brasil aceitar essas desculpas, acreditar que ele não quis ofender. Ele é um bastardo arrogante e pensou que poderia ofender o Brasil. Então o Brasil deveria dizer: “não venham aqui, nós vamos rasgar o seu visto”.  Vocês podem organizar uma bela Copa do Mundo, não precisam desses crápulas.

E quanto à sucessão na CBF, o governo deveria intervir mais?  

A Dilma ou o Aldo Rebelo deveriam estabelecer uma comissão para reavaliar todos os contratos da Copa – com patrocinadores, empreiteiras, venda de ingressos. Tudo isso deveria ser revisto porque Teixeira é um ladrão, e eu estou dizendo isso como o jornalista que o expôs como o ladrão que ele é, e neste caso, como chefe do comitê da Copa, todos os contratos assinados por ele estão sob suspeita. Lembre-se de que houve uma denúncia no ano passado de que o Teixeira iria obter lucro, pessoalmente, com alguns contratos. Eu gostaria de ver o Aldo Rebelo chamar uma conferência de imprensa e diante das câmeras dizer: “vejam esses contratos. Agora eu vou rasgar os contratos”. E então ele deveria rasgá-los. Vocês têm que mostrar ao mundo que pessoas como ele não vão mais fazer parte da sua Copa do Mundo.

Alguns comentaristas afirmaram, depois da declaração de Valcke, que a FIFA poderia voltar atrás e tirar a Copa do Brasil, mudando a sede para a Inglaterra. Você concorda?   

Não. A Copa do Mundo não será retirada do Brasil de jeito nenhum. Quem vai tirar a Copa do Brasil? Quem vai fazer uma Copa do Mundo sem o time brasileiro? E além disso, tudo isso é um grande negócio, os contratos já foram assinados, tem estádios sendo construídos, não dá pra voltar atrás agora. Olha, eles ferraram com a África do Sul porque os políticos de lá não se levantaram contra isso. Blatter e Jerôme se acham tão importantes que acham que qualquer político vai beijar a bunda deles. São tão arrogantes! Mas essa é a lição que eles podem aprender, e eu te digo: o resto do mundo vai aplaudir se o Brasil disser, na imigração, que o comitê executivo da FIFA não pode entrar, que o Brasil não vai aceitar isso, pois é um país soberano e orgulhoso, parte dos BRIC!

Quem derrubou o Teixeira agora, 23 anos depois?

A minha sensação é que foi a sua presidente. Quando estive no Senado em outubro do ano passado, o gabinete da presidência ligou depois do meu depoimento pedindo uma cópia do que eu falei.

Não foi pressão de dentro da FIFA?

Com a FIFA é mais sofisticado. Eles tentam suprimir documentos do processo judicial na Suíça que apontam o  Teixeira e o Havelange, então eles ainda estão dormindo na mesma cama. Agora, será muito interessante ver se o Teixeira vai renunciar ao seu cargo na FIFA. O comitê executivo tem 24 homens – só homens, nenhuma mulher – e três representantes da América Latina. Se ele renunciou à CBF, porque ele vai continuar representando o Brasil na FIFA?

Os outros dois representantes são o Júlio Grondona, um bastardo corrupto da Argentina, e o Nicolás Leoz, presidente da Conmebol, que eu denunciei como outro corrupto, mostrando que ele roubou cerca de meio milhão de dólares em três propinas diferentes. É horrível ver esses três corruptos nojentos representando toda a América Latina na FIFA.

Então o Brasil deveria mandar o Teixeira para fora da FIFA também. É muito ruim para a reputação do Brasil que o Teixeira tenha sido acusado de tantas coisas e nada tenha acontecido. Veja o caso do jogo de futebol com Portugal, todo o dinheiro que foi roubado ali – e depois o Sandro Rosel, presidente do Barcelona depositou 3,8 milhões de dólares na conta da filha do Teixeira, que tem 11 anos! O que você faria se um homem depositasse 3 milhões de dólares na conta da sua filha pequena? Isso é abuso de menores! Um escândalo!

O Teixeira era cotado para a presidência da FIFA. Ele ainda tem apoio na FIFA?

Não há nenhum apoio. Veja, a FIFA é formada por duas classes de pessoas: tecnocratas, que são só trabalhadores, e no topo estão 24 homens – metade é corrupta, e a outra metade não, mas eles mantêm a boca fechada porque ganham muito dinheiro.

Não tem apoio. Essa história de que ele estava cotado para a presidência é mentira, e os jornalistas brasileiros acreditaram. A América Latina tem apenas 10 votos no comitê, de 200 países. Mas a FIFA já convive com ele, e o Blatter não vai tirá-lo do comitê porque eles estão dormindo na mesma cama. Somente os latinoamericanos podem pressionar para que ele saia da FIFA. Afinal, ele é um representante do see futebol! Mas veja, nós pegamos o Havelange em dezembro, agora pegamos o Teixeira. O próximo será Blatter.

Como será o fim de Blatter?

Olha, a FIFA sabe que no final as autoridades suíças vão acabar trazendo o caso à tona e publicando os nomes de Teixeira como receptor de US$ 10 milhões em propinas. O Teixeira está tentando protelar a publicação do seu nome, mas é um escândalo que está apenas esperando para acontecer. Agora, o Blatter também será exposto. Deve demorar no máximo um ano. Não tenho a menor dúvida de que vamos pegá-los. Estou absolutamente confiante. Ou seja: não reservem uma cadeira para o Blatter na Copa do Mundo do Brasil. Agora, para acabar com o Blatter, o Brasil pode ajudar. Na sexta-feira, quando ele for a Brasília, a Dilma não deveria encontrá-lo. Devia mandar um burocrata sem qualquer importância, “fale com ele, estou muito ocupada para perder tempo com você”.  Esse gesto vai ser visto no mundo todo, e dar força para aqueles que querem derrubá-lo. Vamos lá Brasil, vocês ganharam todas essas Copas do Mundo, agora é hora de dar algo em troca.

http://apublica.org/2012/03/andrew-jennings-agora-teixeira-tem-renunciar-a-fifa/

 

MINO CARTA CONTA A COPA DE 50: “A FIFA NÃO ERA ESTA COISA VERGONHOSA”

Mais uma matéria trazida ao Ferozes FC mediante parceria com a Agência Pública.

Por Andrea Dip

O jornalista e diretor de redação da Carta Capital cobriu o evento quando tinha 15 anos para veículos italianos: “O Brasil era o país ideal”

Em entrevista à Pública, o jornalista e diretor de redação da Carta Capital lembra a cobertura que fez aos 15 anos para veículos italianos sobre a primeira Copa depois da Segunda Guerra: “O Brasil era o país ideal”. Ali começaria sua longa carreira como jornalista.

Mino fala das muitas mudanças que ocorreram nesses 62 anos no mundo do futebol. A Fifa, por exemplo, não tinha nada a ver com esta de hoje, “que se tornou o que é graças a João Havelange, que, digamos, na Sicília estaria perfeito, dirigindo a máfia”.

E explica que apesar do “Maracanaço”, como ficou conhecida a dolorosa vitória do Uruguai sobre o Brasil no estádio com quase 200 mil pessoas, aqueles eram tempos tranquilos e felizes para o país.

Sobre a Copa de 2014, o jornalista não se mostra otimista. E dispara: “Mazelas mil. Porcarias variadas e mentiras… É uma floresta de enganos”. Senhoras e senhores, com a palavra, Mino Carta:

Você cobriu a Copa de 50 aos 16 anos. Foi seu primeiro trabalho? Como foi parar lá?

Na verdade, foi assim: meu pai detestava futebol e recebeu um pedido de jornais italianos para escrever uma série de artigos sobre a preparação para o Campeonato Mundial de 1950. Eu ainda tinha 15 anos, meu pai detestava o balípodo [futebol]. Me convocou e disse: “Olha, você que gosta dessa porcaria, você gostaria de escrever algo a respeito?”. Eu disse: “Quanto vale?”. Ele disse x e como esse x daria para encomendar um terno azul marinho num alfaiate de muita boa qualidade, eu disse “perfeito!”. Nesse tempo íamos aos bailes de sábado de terno e gravata. 

O terno azul era o objeto de desejo?

No meu caso, era o terno azul marinho. Então eu escrevi seis artigos sobre a preparação da Copa. Fui pago, fiz o terno azul marinho e depois quando vieram as equipes dos jornais para os quais eu tinha escrito– que, na verdade, eram dois jornais irmãos, um de Roma e outro de Gênova – o pessoal me usou como intérprete, como ajudante, como contínuo, mil coisas. 

A Fifa era menos exigente?

A Fifa não era essa Fifa, que se tornou o que é graças a um brasileiro ilustre que se chama João Havelange, que, digamos, é um concorrente do Totò Riina, do Provenzano. Ele na Sicília estaria perfeito, dirigindo a Máfia. A diferença é que ele está solto e Totò Riina e Bernardo Provenzano estão na cadeia. Esse Blatter é outro. Esse Ricardo Teixeira é outro. Aliás, aprenderam tudo com o João Havelange, que foi o autor desta Fifa vergonhosa. Agora, o campeonato de 1950 funcionou muito bem. Não houve problema algum. 

Foram construídos estádios na época?

O Maracanã. Basicamente, o Maracanã, que eu saiba. Eu me lembro porque São Paulo tinha o Pacaembu, que havia sido construído em 1942 e que era um estádio novo e bonito. O Pacaembu aguenta 50 mil espectadores com tranquilidade. São Paulo, nesse momento, beirava os 2 milhões de habitantes. Era um outro mundo. São Paulo tinha 50 mil carros. A gente se locomovia pela cidade com perfeição. Ainda funcionavam os bondes.

O Brasil não parou por causa da Copa, então?

De jeito nenhum. E veio muita gente de fora. O jogo da final, no Maracanã, que foi uma tristeza, um momento de enorme tristeza… Mas também, sabe?, o jogo começou com a distribuição de postais que mostravam o time brasileiro como se já fosse campeão.

Foi mais vergonhoso…

Não, não foi vergonhoso, porque o Uruguai, além de tudo, tinha um time excelente. O Uruguai tinha um time melhor que o do Brasil. Você não perde por acaso. Você perde porque tem pela frente um time que pelo menos, naquele jogo, jogou melhor. Tinha craques incríveis o time do Uruguai, jogadores excelentes. E o Brasil, como frequentemente acontece, era um time desequilibrado. Na defesa, havia muitas falhas. Tinha atacantes excepcionais e uma defesa… Um meio campo muito bom e uma defesa que deixava a desejar. Bom, não foi culpa do goleiro. O marcador do ponta direita do Uruguai não segurava o homem, chamava-se Bigode, o nosso. O outro chamava Ghiggia e corria bem mais. Então, é por aí. Mas enfim, foi um campeonato tranquilo, sem desordem. 

O senhor estava lá?

Estava. Triste, foi muito triste. O que tinha de gente chorando na rua era impressionante… 

Como foi o clima do estádio nessa hora?

Silêncio. Silêncio aterrador. A alegria de uma pequena torcida uruguaia e silêncio. Porque também os estrangeiros torciam pelo Brasil, os que tinham vindo e tinham ficado muito impressionados. Sobretudo com as duas vitórias por goleada e a exibição de gala, então imagine… Foi triste.

Os torcedores eram pessoas comuns? Os ingressos eram baratos?

Totalmente. Mas olha, o que é impressionante é que (risos) Eu lembro quando eu ia ao Pacaembu, antes quando eu era menino, tinha uns 13, 14 anos, uma ofensa dirigida ao árbitro que eventualmente, na opinião do torcedor, roubava contra o time dele era “tuberculoso!”. Era muito raro ouvir um palavrão no estádio. As pessoas portavam-se de outra maneira. O Brasil virou um país muito vulgar. 

E como foi sua cobertura? Como foi essa experiência?

Foi ótima. O que eu realmente escrevi foram os artigos de preparação. Depois, quando o campeonato se deu eu estava ali como ajudante dessa equipe de jornalistas italianos e fiquei como tal. Quer dizer, era sobretudo, um ajudante, um menino. Ali eu já tinha 16 anos e era um menino esforçado, ajudava no que podia.

Os artigos ainda estão por aí?

Eu não guardo nada. Não tenho uma única coleção de alguma coisa que eu tenha feito. Do mundo nada se leva, é minha convicção granítica.

O senhor torcia para o Brasil?

Nesse tempo, sim. Hoje eu mudei muito minha postura. Me irrita pensar que em 70 os presos da ditadura gritavam gol juntamente com os carcereiros. Essa debilidade moral me irrita sobremaneira, hoje em dia. Naquele tempo, não. Ao contrário: eu torcia, sim, pelo Brasil. É claro, lógico. Mas eu tentava ser frio na análise. Porque, realmente, por exemplo, o Uruguai tinha um grande time. Tinha alguns jogadores ali soberbos. No fundo, melhores que os nossos. Schiaffino era um jogador excepcional, por exemplo. Muita cabeça, muita inteligência, via o jogo. Não era só habilidade individual, era capacidade de mentalizar, de no campo mudar a estratégia. Então tinha alguns jogadores excepcionais.

O que o senhor espera pra essa Copa de 2014?

Parece-me que as coisas não estão bem postas. Primeiro, o roubo é absolutamente inegável. Um roubo deslavado, escancarado, transparente. Está ali, para todo mundo ver, mas ninguém dá a mínima. Também é difícil imaginar que em menos de dois anos e meio as cidades brasileiras, sobretudo São Paulo, Rio, Belo Horizonte, consigam montar um esquema que facilite o deslocamento das pessoas para jogos. Não vejo como… As cidades são completamente desequipadas, são miseráveis em certos pontos. Temo um desastre, do ponto de vista da organização. E como teremos eleições em 2014 me parece que esse desastre não vai facilitar em nada para quem do governo quiser continuar aí. Isso vai acabar repercutindo no resultado eleitoral. Acho que, do ponto de vista técnico, o Brasil não tem time para jogar esse mundial, em relação a alguns times europeus que praticam um futebol, hoje, muito mais eficaz para que os bolsos daquele ou desse se encham. Eu não tenho boas perspectivas. Eu acho que foi uma decisão populista do Lula. Uma decisão errada. E nem se fale das Olimpíadas. Tivemos um exemplo que devia ter sido aproveitado, que devia influenciar nas decisões de hoje, que foi o Panamericano do Rio, que foi um roubo, uma coisa monstruosa. 

E aquelas obras nem vão servir para as Olimpíadas…

Claro. E veja: estava prevista uma despesa de 400 milhões e a despesa chegou a 4 bilhões. É uma coisa…Dolorosa. Se a Copa for um desastre, o mundo vai ser perguntar “por que as Olimpíadas?”. “Temos de repetir aquela tragédia?”. É isso. O de 50 foi apenas triste porque o Brasil esperava a vitória, mas era um Brasil ingênuo e simples. De uma forma, tenro e um pouco patético, né? Mas nada a ver com o Brasil de hoje.

Então a gente pode dizer que a Copa de 50 foi benéfica pro Brasil?

Foi ótima. Pena que muita gente chorou. Isso que foi pena.

E a segurança? Como era feita?

O Brasil era um país ideal. As pessoas viviam numa boa. Não existiam os medos e receios de hoje. 

Então não foi feita uma segurança de guerra como eles estão querendo fazer agora?

Eu tive a sorte e o prazer de assistir a parte final do campeonato europeu realizado em Portugal em julho de 2004. À parte o fato que gosto de Portugal, gosto da comida portuguesa e gosto dos vinhos portugueses, à parte esse detalhe, que não deixa de ter sua importância – foi uma coisa impecável. Uma polícia fantástica, portando-se com fidalguia, com cortesia. Olha, uma coisa impecável! E tinha ali torcidas além de eventualmente muito ruidosas e muito fortes, como a torcida holandesa, por exemplo, que é um pessoal imponente, mas de comportamento impecável. Fiquei muito bem impressionado. Uma organização perfeita. Realmente, parece que para essa ocasião construíram alguns estádios, sobretudo em Lisboa e no Porto, dois estádios muito bonitos e muito modernos. Mas vejam, um detalhe: esse estádio que a Fiat construiu para o time dela, o Juventus de Turin. Eles construíram um estádio moderníssimo, foi inaugurado há menos de um ano. Esse estádio, moderníssimo, a última palavra em termos de estádio, custou um quinto do que vai custar esse estádio de São Paulo (Itaquerão). Um quinto. Imagina? Imagina o que que ali tem de superfaturamento. Mazelas mil. Porcarias variadas e mentiras… É uma floresta de enganos. É isso.

Colaborou: Jéssica Mota