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GOLAÇO LITERÁRIO – NUNCA HOUVE UM HOMEM COMO HELENO.

Por: Fábio Vanzo

Aproveitando o lançamento recente do filme “Heleno – O príncipe maldito”, de José Henrique Fonseca, a Editora Zahar resolveu reeditar esta biografia de Heleno de Freitas, escrita por Marcos Eduardo Neves em 2006.

Primeiro bad boy do futebol brasileiro (meio século antes de o termo existir), Heleno, maior craque botafoguense pré-Garrincha, com talento que rivalizava com Leônidas da Silva, teve carreira e vida curtas: 39 anos, 305 jogos e 251 gols.

Ao mesmo tempo talentoso e temperamental, sofisticado e patético, Heleno, bem nascido, com curso superior e adepto tanto de literatura quanto de bons ternos, chamava a atenção dos jornalistas e das mulheres naquele Rio de Janeiro cheio de glamour nos anos 1940.

Em campo, ia das grandes jogadas às explosões de raiva em questão de segundos, até com os companheiros. Fora, fazia questão de mostrar que era diferente, mesmo que para isso fosse mordaz com seus colegas de origem mais humilde.

O livro segue cronologia convencional, do nascimento de Heleno, em família de classe média alta, passando por suas peladas na praia, passagens por Botafogo (duas), Fluminense, Boca Juniors, Vasco, Atlético Júnior (Colômbia) e Santos, até sua derrocada causada pelo vício em bebida e solventes (éter e lança-perfume), aliado aos efeitos terríveis da sífilis, conduzindo-o à loucura e à degeneração física.

O estilo de Marcos Eduardo Neves lembra o de Ruy Castro (que, inclusive, assina a contracapa), com bastante narração/descrição e poucos trechos romanceados. Isso deixa a leitura um pouco cansativa, com tantas histórias de partidas de futebol, treinamentos e baladas, anos a fio.

Mesmo nos últimos capítulos, com Heleno internado em um sanatório, o texto mantém o distanciamento, contando a história por meio de cartas entre o irmão do jogador e o médico responsável. Isso causa estranhamento, pois o livro é justamente sobre uma pessoa exagerada e trágica, cuja tragédia parecia inexorável como nos mitos gregos, até pelo fato de uma Guerra Mundial ter cancelado duas Copas e impedido que seu futebol (ou sua impaciência) brilhasse diante do mundo.

Esse tom “morno” do livro é culpa, em parte, da opção do autor por transformar a história de Heleno praticamente em pano de fundo sobre a sociedade carioca da época (como a própria orelha do livro admite), no que transparece certo deslumbramento por esse idílico Rio de Janeiro, então capital federal e símbolo de charme e cultura.

Que o preto e branco ficasse apenas no manto do Botafogo, clube que Heleno tanto amou. Sua biografia precisava, sim, de cores mais carregadas (o que não significa menor acuidade histórica). Afinal desde sempre Heleno fora, nas palavras do autor, “estupidamente problemático”.

Nota: existe outra biografia sobre Heleno, chamada “O Homem Que Sonhou com a Copa do Mundo”, de Carlos Rangel (Edições O Cruzeiro, 134 pág.), lançada em 1970 e hoje fora de catálogo, sendo encontrada apenas em sebos. Segundo o jornalista Maurício Stycer, “relato apaixonado, e pouco objetivo, o livro descreve Heleno como um gênio incompreendido, perseguido por inimigos, que não aceitavam a sua genialidade”.

 Nunca Houve Um Homem Como Heleno

Editora Zahar | 346 páginas | Preço médio: R$ 45

 

GOLAÇO LITERÁRIO – “GIGANTES DO FUTEBOL BRASILEIRO”

Por: Mauricio Stycer (http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/)

Lançado em 1965, “Gigantes do Futebol Brasileiro” em pouco tempo desapareceu das livrarias e, com o passar dos anos, também dos sebos. Tornou-se um livro-mito, uma espécie de lenda, a respeito da qual os mais velhos comentavam, para inveja e admiração dos mais novos.

O projeto do livro foi muito imitado posteriormente, mas nenhum clone alcançou, até hoje, a repercussão da obra escrita pelos jornalistas João Maximo e Marcos de Castro. Primeiro motivo: o conceito de “gigantes”. A obra não se propõe a listar os maiores jogadores de todos os tempos, “mas alguns gigantes cujas histórias os autores gostariam de contar”.

Desta explicação, segue-se o segundo motivo para o sucesso de “Gigantes do Futebol Brasileiro”: as histórias que integram o livro são narradas com aquele misto de paixão e respeito aos fatos que distingue o bom do mau jornalismo esportivo. Há espaço para registro de lendas, mas com o cuidado de alertar o leitor do que se trata.

A esse respeito, Paulo Mendes Campos observa no prefácio à primeira edição: “O futebol é uma série de fatos concretos, mas é também uma pequena mitologia brasileira, uma aura de sonhos e possibilidades em torno de cada jogador que o torcedor recorda, cada gol, cada lance”.

A primeira edição trazia os perfis de 13 jogadores: Friedenreich, Fausto, Domingos da Guia, Leônidas, Tim, Romeu, Zizinho, Jair Rosa Pinto, Heleno, Danilo, Nilton Santos, Garrincha e Pelé. Os elogios recebidos, contam os autores, foram neutralizados pelas críticas a duas ausências notáveis: Ademir e Didi.

A segunda edição, que acaba de ser publicada, acerta as contas com os dois craques ausentes na primeira edição, mas perde Jair Rosa Pinto, cujos herdeiros não autorizaram a inclusão no novo livro. E de quebra, traz sete novos “gigantes”: Gerson, Rivelino, Tostão, Falcão, Zico, Romário e Ronaldo.

No novo prefácio, Luis Fernando Veríssimo dá um recado aos jovens, que não viram a maioria destes “gigantes” em ação: “Os que não vimos jogar fazem parte de uma história compartilhada, de um passado comum a toda a irmandade do futebol, não importa a idade. De um jeito ou de outro, são personagens. E a grande sacada deste livro é tratá-los como personagens.”

É verdade que há perfis mais saborosos do que outros. Os melhores, na minha opinião, são sobre os craques que os autores viram em ação num momento, talvez, de maior deslumbramento e encanto pelo futebol – de meados dos anos 50 aos 70. Os mais antigos, como Fausto, por exemplo, cuja história é fascinante, e os mais novos, como Romário e Ronaldo, não apresentam a mesma força que os perfis de Nilton Santos, Pelé, Gerson e Tostão, por exemplo.

Fruto de entrevistas com a maior parte dos jogadores e, também, de muita pesquisa, “Gigantes do Futebol Brasileiro” (Civilização Brasileira, 440 páginas, R$ 49,90) raramente informa, o que é uma pena, as fontes utilizadas no trabalho – livros, jornais e outros depoimentos que provavelmente seriam úteis a outros pesquisadores.

Não há nenhum goleiro entre os “gigantes” do nosso futebol e, com exceção de Domingos e Nilton Santos, todos os jogadores fizeram fama do meio para a frente. Ainda que seja um livro de reverência ao bom futebol, não deixa de lembrar que muitos destes craques terminaram a vida em péssimas condições financeiras, sem auxílio e solitários.

Como bem observa Veríssimo, “as histórias são retratos das suas épocas, uma sequência de flagrantes de um Brasil em transformação”. Um país bom de bola, que dá orgulho, mas muito desigual.

Em tempo: Cada perfil é acompanhado de um desenho do cartunista Ique, como os de Didi, Gerson e Tostão reproduzidos aqui.

Por: Mauricio Stycer (http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/)

Cheers,