CABEÇAS SEM SORTE

Por João Paulo Tozo

Eu amo futebol.

Desde que me conheço por gente, meu negócio sempre foi chutar bola de futebol. Todos os dias, em qualquer horário que me sobrava. Acordava, fazia o que tinha que ser feito, colocava a bola embaixo do braço e saia a procura de alguém tão animado quanto eu. Quando não achava, não havia parede que não servisse de adversário ou gol imaginário.

Ficava puto da vida quando chegavam as férias – absurdo, não?

Mas nas férias a molecadinha abdicava do prazer da prática divina da peleja, para dedicar suas tantas horas livres para empinar pipa. Aquilo pra mim era decepcionante, mas não era o fim. Afinal, as paredes amigas dos vizinhos sempre estavam lá, aptas a receber minhas patadas atômicas, meus chutes colocados nos ângulos em gols sem traves.

Vivia para jogar, para chutar bolas de futebol. É dos prazeres sem igual que o esporte Rei nos oferece. É por ela e para ela, a bola, que nossos pés, calçados ou descalços, devem fitar e tratar bem.

Certa vez errei a bola e chutei uma canela adversária. Doeu até em mim. O dono da canela, enfezado, veio tirar suas satisfações. Sabe como é o futebol. Retrato fiel das relações humanas, ele sucinta rivalidades de todos os tipos. Do melhor, do mais forte, do mais líder, do mais mais. Do mais inteligente. Este sempre vence.

Empurrões, discussões. Resolvemos, eu e ele, mais ninguém. É do jogo. Ser inteligente também é. Bola em jogo. Bola é do jogo. Chutar é do jogo. A bola.

Era assim que enxergava futebol. Sempre foi assim que eu enxerguei a vida. Sem a veia vazia da covardia.

Chutar bolas, não cabeças. Pés chutando a mesma bola, não a mesma cabeça. Ainda que sejam cabeças vazias. Cabeças que também ordenariam seus pés a chutar as cabeças daqueles que, “por sorte”, continuaram em pé naquela batalha tão fria.

Em tempos onde chutar cabeças virou esporte, o esporte de chutes históricos morre junto de cabeças sem sorte.

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