De joelhos

Quem é viciado em música como eu, possui alguns discos que servem como trilha sonora da vida em algum determinado momento. Na minha apresentação, descrevi meu primeiro contato com o rock and roll, por meio de um disco de David Bowie. É interessante notar coisas que ficam eternizadas e saem do contexto do ano em que foram lançadas, e que acabam fazendo parte de um novo significado. Além do citado disco do Bowie (o LP “Pin ups”), meu contato com a música se dava pelo fato de meu saudoso pai ter trabalhado na gravadora RCA-Victor como prensista de discos de vinil. Além do chocolate ou lanchinho que ele recebia e guardava para o filho caçula (este que vos escreve), algumas vezes ele trazia discos. Na sua maioria, coisas mais populares, Roberto Carlos, etc.  Ouvir discos em uma velha vitrolinha portátil fez parte da minha formação musical. Tive até um disco autografado do Bozo!

Eu nasci em 1976. Portanto, fui adolescente nos anos 90. Era o início da era grunge, e a gente já começava a se interessar por instrumentos musicais e montar as primeiras bandinhas de garagem.  A essa altura, juntando os discos que meu pai ganhava com os que meus irmãos e eu comprávamos, devíamos ter cerca de 300 discos. Uma quantidade até modesta, comparada com a coleção de grande parte dos audiófilos. Não contente, um amigo da família trouxe alguns vinis, para convertermos em fitas k-7. Ah, esqueci: nesta época, já éramos conhecidos por termos um bom 3 em 1 (inclusive com CD-Player, pouca gente tinha no bairro). Entre estes discos, um deles se tornou grande xodó: “São Paulo 1554 – Hoje”, do Joelho de Porco, gravado no ano em que nasci.

O disco foi lançado em CD com esta capa.

O legal do disco é que a banda mescla letras bem-humoradas com músicas cheias de referências musicais, que vão de Beatles ao hard-rock dos anos 70. O estilo escrachado influenciou bandas como Língua de Trapo, por exemplo.

O disco começa leve com a quase-vinheta “Hey Gordão” ao piano, para logo em seguida cair no rockão “Boeing 723897”. Em grande parte das canções, além dos instrumentos elétricos, um violão de 12 cordas traz sofisticação aos arranjos. Havia a democrática divisão de vozes entre Próspero Albanese, fundador da banda e o baixista Tico Terpins. Completavam a banda Walter Baillot e Flávio Pimenta, guitarrista e baterista, respectivamente. Em formações posteriores, a banda chegou a ter o mestre Zé Rodrix, além do vocalista argentino Billy Bond. A banda voltou a se apresentar recentemente, capitaneada por Albanese, com outros músicos que já passaram pela banda. Grandes ausências dos já falecidos Terpins, Rodrix e Baillot.

O encarte original

Aqui, um faixa a faixa:

  1. “Hey Gordão”: canção curta, com letra que “aconselha” o tal gordão a esquecer o macarrão e “voar como uma pluma”. Boa abertura.
  2. “Boeing 723897”: cantada por Tico Terpins, cita Roberto Carlos (“Quero que tudo vá para o inferno”), até cair em um anunciado andamento seis por oito.
  3. “Mardito fiapo de manga”: a mais bem-humorada do disco, fala sobre o desespero de ter o citado fiapo preso entre os dentes. Piano e violão de 12 cordas conduzem a música.
  4. “Cruzei meus braços… fui um palhaço!”: a primeira que explicita a influência Beatle. O andamento e a guitarra principal são nitidamente influenciadas por George Harrison, especialmente lembrando “While my guitar gently weeps” em alguns momentos.
  5. “Debaixo das palmeiras”: letra que faz referências ao cinema e à música. Em alguns momentos lembra Led Zeppelin, para no final cair num jazz-rock eletrizante, ao estilo de “Lazy” do Deep Purple, para logo em seguida cair no samba e na “Aquarela do Brasil”, citada na letra.
  6. “México lindo”: com um portunhol manjadíssimo, a letra descreve a ida a uma festa em Acapulco com Beatles na eletrola. Apesar de citar “She loves you”, a harmonia lembra mesmo é “Oh, Darling!”.
  7. “Aeroporto de Congonhas”: fala sobre a mania dos paulistanos de – sem opção de praia por perto – levarem a família pra ficar vendo os pousos e decolagens dos aviões. Não sei se isso ainda é comum hoje em dia.
  8. “São Paulo by day”: a letra fala dos trombadinhas que circulam pelo centro de São Paulo. A letra continua atual, com a diferença de que hoje eles já não bebericam cachaça. As drogas mudaram.
  9. “A lâmpada de Edison”: bonita balada, não sei como alguma dessas cantoras chiques ainda não a regravou. Compara os ídolos brasileiros Éder Jofre e Roberto Carlos aos americanos Cassius Clay e Frank Sinatra. “Hoje é o passado do futuro…”, diz a letra.
  10. “Meus vinte e seis anos”: Quase um heavy metal, com riffs de fazer inveja a Toni Iommi, com letra falando sobre pais que projetam uma profissão ou um destino para os filhos, sem que estes possam decidir sozinhos o que querem.

O disco saiu em CD há um tempo, com uma capa diferente do LP. Comprei em CD e faz parte do meu acervo pessoal, junto aos outros dos quais fiz questão de não passar para frente. Compre, baixe, dê um jeito de ouvir.

Enfim, neste meu primeiro texto sobre música para o Ferozes FC, quis contar um pouco sobre uma de minhas influências. Espero que tenham gostado. Aqui, posto “Mardito fiapo de manga”, que alguém resolveu compartilhar pelo Youtube.

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=29rmzywzm6w[/youtube]

One thought on “De joelhos”

  1. Pois é, Márcio, você deve lembrar, meus primeiros discos de vinil foram o Sgt Peppers dos Beatles e a Quinta do Beethoven, ouvidos exaustivamente naquela mesma vitrolinha. Os outros discos também me influenciaram, a ponto de, veja só, vinte e poucos anos depois, eu embalar o sono do meu filho cantando “MaRdito fiapo de manga, preso no maxilaR inferioR…”

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