Pois é, a impiedosa roda do tempo diz que já se passaram 30 anos daquele 5 de julho de 1982. Copa do Mundo da Espanha, cidade de Barcelona, Estádio Sarriá, segunda fase, grupo da morte formado com Brasil, Argentina e Itália.
A Itália classificara-se em segundo lugar após três medíocres empates com Polônia, Peru e Camarões. A Argentina era a defensora do título conquistado em casa em 1978, agora com o reforço do jovem super craque Diego Maradona.
E o Brasil?
Ah, o Brasil! Todos da minha geração conhecem muitíssimo bem a história, os mais jovens talvez somente tenham ouvido falar ou visto alguns vídeos dos jogos.
Era o Brasil do técnico Telê Santana. Uma verdadeira Seleção Brasileira, moldada à base de geração de craques dentro e fora de campo. Indivíduos intelectualizados, cada um à sua maneira, nada relacionado ao que se vê hoje no futebol.
A Itália vence a Argentina por 2×1. O Brasil vence a Argentina por 3×1 eliminando-a após atuação de gala do time.
Eis que vem a partida final do grupo. Brasil x Itália. Era um 5 de julho, uma segunda-feira. Muita festa e absoluta confiança da torcida brasileira tanto no País quanto em Barcelona que vivia período estival tipicamente mediterrâneo. Mais parecia o Rio de Janeiro, seja pela temperatura, seja pela festa brasileira que cativava toda a população local.
Não era para menos, a Seleção de Telê Santana jogava por música e, por ter obtido melhor saldo, necessitava de um empate contra os italianos.
O resto da história todos conhecem. Os 3×2 italianos sobre os brasileiros. A derrota repleta de malefícios para o futuro do futebol tupiniquim. O processo de globalização que chegava ao mundo da bola via abertura do mercado europeu para jogadores extra-comunitários. O processo de degradação econômico-social do Brasil, ainda em vias de redemocratização. O êxodo de nossos craques pós-82. Paolo Rossi.
Sim, Paolo Rossi. Italiano da cidade de Prato, na Toscana. Injustamente conhecido como “carrasco” no Brasil através da imprensa esportiva chavão.
Fazer o quê? Que culpa tem Rossi? Apenas defendia as cores de seu país. Fez o seu trabalho.
Naquele 5 de julho, lembro-me de estar em casa com minha família em São Paulo no alto de meus 9 anos de idade.
Lembro-me dos sentimentos de pureza e inocência que ainda carregávamos conosco. Talvez uma forma de ver o mundo que fosse proveniente da adoração aos personagens de super heróis da infância com os quais sonhávamos ser. Um mundo maniqueísta, onde o bem e o mal estavam claramente definidos e o bem, sob nosso inocente ponto de vista, fosse sempre prevalecer.
Para a minha geração, já sob o olhar do distanciamento adulto e histórico, aquela Seleção de 82 representava exatamente este super herói imaginário. O time do jogo bonito no maior grau de pureza possível. O time de craques heróis, quase ou totalmente infalíveis e que tínhamos o hábito de vê-los todos os finais de semana nos estádios e na televisão, pois quase todos atuavam por equipes brasileiras.
Lembro-me claramente do momento em que o jogo estava 2×1 para a Itália. 2º tempo. O jogo era truncado. Cláudio Gentile, que fora implacável na marcação a Maradona, repetia a dose contra Zico.
Aí veio o emocionante momento do gol de Paulo Roberto Falcão. Chute forte, de esquerda, no canto do excelente goleiro Dino Zoff. Chute que foi possível graças a passagem de Toninho Cerezo pela direita que atraíra a marcação e abrira espaço para o arremate. Gol do Brasil! A narração de Luciano do Valle na Globo (sem pieguices dos tempos atuais) e a comemoração de Falcão eram arrepiantes… e continuam a ser até hoje. Revejo as imagens, mas na minha memória vem aquele 5 de julho de 1982, na sala da casa de meus pais em São Paulo. Aquele dia é muito nítido nas minhas lembranças.
No final, com a partida em 3×2 para a Itália, o último lance brasileiro. Cruzamento na área e o zagueiro Oscar Bernardi cabeceia. Dino Zoff fazia incrível defesa.
Era o fim do sonho. Seria a primeira e única vez que choraria por causa de uma partida de futebol.
Foi-se a Copa de 82. Foi-se aquela ilusão infantil. Era o fim da era da inocência para minha geração.
Bom dia vida real! Bem vindo à dura realidade da aventura que se chama viver!
Recentemente, tive certo consolo, não muito, quando do falecimento do Dr. Sócrates. Segundo relatos de alguns jornalistas amigos do craque, o inesquecível Magrão teria dito, em justificativa às peças que o destino nos prega, que se eles tivessem vencido aquela Copa, teriam se tornado seres humanos insuportáveis. Análises de um verdadeiro intelectual. Algo raro hoje no futebol.
Passaram-se 30 anos, mas me lembro, como se fosse hoje, daquele 5 de julho de 1982.
Nunca mais tive o mesmo sentimento por nenhuma outra Seleção Brasileira posterior. Não há mais Telê Santana, não há mais Dr. Sócrates, nem Zico, nem Serginho Chulapa e seu jeito único de ser, nem Paulo Roberto Falcão, nem Éder, nem nada.
Parte de mim morreu em Barcelona naquele 5 de julho de 1982.
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