SOBRE PARTES E TODOS

É costume dizer que as árvores nascem das sementes. Mas como poderia uma sementezinha engendrar uma árvore enorme? As sementes não contém os recursos necessários ao crescimento de uma árvore. Esses recursos devem vir do ambiente onde ela cresce. Mas a semente provê um elemento crucial: o ponto a partir do qual a árvore como um todo começa a se formar. À medida que recursos como água e nutrientes são absorvidos, a semente organiza o processo que propicia o crescimento. A semente é, em certo sentido, o portal de onde emerge a possibilidade futura da árvore viva”. – introdução do livro “Presença – propósito humano e o campo do futuro”, Peter Senge, C. Otto Scharmer, Joseph Jaworski e Betty Sue Flowers.

Na última terça-feira, no programa de rádio do Ferozes Futebol Clube, o nobre Alan Terriaga me perguntou se eu considerava que o time do Atlético Mineiro tinha fôlego para se manter na liderança e conquistar o Campeonato Brasileiro 2012. Começamos todos nós a discorrer a respeito do elenco do Galo e seus valores individuais. Natural, claro.

Mas a história recente mostra um cenário bem mais complexo do que esta análise. Longe aqui de comparar a proporção de cada um destes, mas as conquistas do Mundial de 2011 pelo Barcelona, o Brasileirão 2011 e a Libertadores 2012 pelo Corinthians, e – de certo modo – a Copa do Brasil 2012 pelo Palmeiras, têm seu ponto em comum: um todo maior do que a soma das partes.

No caso do Palmeiras treinado por Felipão, com o elenco muito mais modesto do que os demais, fez-se valer a reedição compacta da “Família Scolari”, termo com o qual o bigodudo atingiu o ápice de sua carreira, conquistando pentacampeonato da Seleção Brasileira de 2002. Tudo bem que esta família tem seus problemas e traumas, mas nunca esteve tão unida, especialmente após a saída do “filho rebelde” Kléber, e a minimização de problemas como o do meia Valdívia, que após a crise desencadeada por um sequestro-relâmpago, teve o apoio da diretoria e da comissão técnica para se manter comprometido com o grupo ao menos até a conquista da Copa do Brasil. Hoje, há problemas, e o time ainda tropeça demais no campeonato nacional, mas há mais tranquilidade no ar.

O pensamento sistêmico do Barcelona serviu de case para diversas áreas.

O grande frisson do futebol mundial no ano passado, o estilo de pensamento sistêmico adotado pelo Barcelona foi inspiração para cases em todas as áreas de conhecimento. Surpreendentemente, até o momento não houve no Brasil quem de fato se inspirasse no esquema de jogo do Barça. Talvez por falta de jogadores versáteis.

O todo maior do que as partes foi a inspiração do Corinthians na conquista da Libertadores 2012

Finalmente, o Corinthians de Tite venceu não só pela qualidade de seus jogadores (e aí neste ponto prevalecem os valores individuais, já que não é exatamente um elenco de supercraques), mas também pela união de seus jogadores, que se mostra não só nas conquistas, mas por exemplo na despedida de um colega do grupo, como foi o caso de Liedson, que ganhou festa-surpresa após seu desligamento, e a recepção aos novos companheiros, como Guerrero, que já parece estar altamente integrado ao grupo (e nisso conta até a permanência de Ramirez, antes cotado para reforçar o Sport-PE, mas que acabou por ficar e ajudar seu compatriota na integração). Além dele, o argentino Martínez também já vem conhecendo como é a rotina no Parque São Jorge.

Em entrevista ao jornal Lance!, o atacante Emerson Sheik mostrou que é bem por aí mesmo: Tite privilegia quem estiver bem. Do elenco, o único que nunca esteve no banco foi o volante Ralf, até porque em termos de marcação ainda é o melhor em atividade no Brasil, e segundo Mano Menezes, só não está na Seleção porque o treinador prefere jogadores com melhor saída de bola (não acho sinceramente que essa sentença seja verdadeira, discordo totalmente do Mano, mas que seja).

Em suma, aproveitando de uma tese do livro que inspira este texto, pode-se dizer que uma equipe de qualquer natureza é um sistema vivo. E sistemas vivos não são uma simples reunião de peças: estão sempre crescendo e se modificando juntamente com seus elementos. Jogadores de futebol chegam e saem de equipes, mas as coisas funcionam muito melhor quando há uma mentalidade que não é desfeita independente de quem chega ou sai. Os novos integrantes de uma equipe chegam e acabam se integrando a esta mentalidade; os que saem, por uma proposta melhor, saem gratos pela experiência.

Voltemos ao ponto de início desta discussão: o Atlético-MG é favorito ao campeonato? Talvez. Muito próximo do estilo de seu principal concorrente nesta meta, o Vasco, o Galo manteve seu treinador e vem trabalhando com um bom elenco. Tem boas peças no time titular e no reserva (neste ponto os vascaínos saem em desvantagem). O grande ponto a se considerar é que ao contrário do corintiano Tite, com estilo mais bonachão e conversador, Cuca é bom estrategista, mas tem fama de sofredor nas derrotas, o que pode contagiar seu grupo em alguns momentos. E isso pode fazer a diferença no campeonato (curiosamente, no Galo o meia Ronaldinho Gaúcho vem fazendo boas apresentações, mas divide as atenções com seus colegas de grupo, não parece ser a grande atração). É acompanhar pra ver até onde chega.

Cuca tem um bom grupo, mas sabe motivá-lo?

Não por acaso, os clubes onde os valores individuais têm sido mais privilegiados são os que mais vêm sofrendo no campeonato. Está aí o Santos, penando pela falta de Neymar, e o desesperado time do Flamengo, que atira para todos os lados, em busca de gente que possa ajudar o atualmente solitário Vágner Love no ataque. Curiosamente, o antes famoso por ser agregador, Joel Santana, apelidado de “Papai Joel”, vinha tendo atitude muito diferente na condução da equipe rubro-negra. Talvez por isso tenha dado lugar a Dorival Junior, que pouco antes havia sido dispensado do Internacional-RS, para ser substituído por um santo de casa, Fernandão, em sua primeira experiência como treinador. Outro caso é o São Paulo, que só achou seu rumo após a volta de um grande ídolo, Rogério Ceni, que fez justamente o papel de agregador e incentivador do elenco. Vem dando certo, tanto é que o próprio goleiro já reencontrou o caminho do gol.

Finalizo com mais um trecho do livro, para exemplificar um pouco mais sobre o todo que é muito maior do que a soma das partes. Um abraço a todos.

Para avaliar a relação entre as partes e os todos nos sistemas vivos, não precisamos estudar a natureza no nível microscópico. Se você contemplar o céu noturno, verá dele toda a porção que se pode ver do ponto onde se encontra. No entanto, a pupila do seu olho, completamente aberta, tem menos de um centímetro de diâmetro. De algum modo a luz do céu inteiro penetra o espaço diminuto de seu olho. E, se sua pupila fosse metade ou mesmo um quarto do que é, o mesmo aconteceria. A luz do céu noturno, em sua inteireza, está presente em qualquer espaço, por mínimo que seja. Fenômeno idêntico se observa no holograma. A imagem tridimensional criada por raios laser reunidos pode ser cortada ao meio indefinidamente e cada pedaço, por menor que seja, ainda conterá a imagem inteira. Isso aponta para o que talvez seja o aspecto mais misterioso das partes e todos: como diz o físico Henri Bortoft, ‘Tudo está em tudo’

SENGE, Peter [et. Al.] Presença: propósito humano e o campo do futuro. São Paulo: Cultrix, 2007.

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