.AQUELE SOBRE A LIBERDADE CORINTIANA

Dando sequência aos guest posts comemorativos da conquista da Libertadores pelo Corinthians, hoje vou publicar um texto com um estilo um pouco diferente do habitual. Eu sempre disse que gosto de quem escreve sobre futebol de um jeito “literário”. Foi o que eu busquei quando convidei a Má Oliveira, amiga de longa data a escrever um texto relatando a sua experiência como torcedora. E ela matou a pau, como já é de costume. Escritora experiente, voltou à infância para relatar sua empolgação na comemoração e ainda foi buscar nas lembranças familiares a curiosa origem de sua paixão pelo Timão. Para quem quiser conhecer mais sobre o trabalho dela, indico o blog pessoal dela, aqui e o coletivo que criamos juntos, a Marmita Filosófica, aqui.

 

.aquele sobre a liberdade corintiana

Por Má Oliveira

Era só um jogo. Um jogo com três nações divididas: a nação Boca Juniors, a nação que ama e a nação que odeia. Era apenas um jogo, noventa minutos e alguns acréscimos, uma taça. Queria assistir ao jogo sozinha, mas assisti numa reunião familiar e quando me dei conta estava vendo o jogo de pé em cima do sofá. Muito provavelmente a nação que odeia ouvia a voz do Cleber Machado, os fogos nas ruas ou as buzinas alucinadas e insistentes que vinham de longe. Mas eu parei. Parei no tempo junto com todos aqueles que amam. Ouvi os ruídos do nervosismo de todos eles rangendo os dentes, ouvi seus olhos lacrimejarem de emoção a cada segundo que se aproximavam do título, ouvi o coração de cada um gritar a cada possível gol, ouvi as pálpebras pesadas insistindo em não piscar os olhos pra não perder nenhum instante. Ouvi todos os poros liberando todas as energias nos dois gols do Emerson, ouvi o sorriso de lado orgulhoso daquele passe lindo do primeiro gol. Ouvi todos os sentidos de todos aqueles que amam clamarem pelo infinito no último milésimo do segundo tempo. Éramos campeões. O campeão dos campeões. Campeões da Libertadores. Pela primeira vez sentíamos aquele misto de aflição, tesão e felicidade. Desobedecemos. Desobedecemos todos os times com os quais jogamos. Desobedecemos os que odeiam. Desobedecemos Kassab e lotamos a Paulista. Desobedecemos o fim do mundo. Éramos únicos e uníssonos. Nós acreditamos. Sabemos que acreditamos. Sabemos o real significado da expressão “só quem é sabe o que é”. Depois do apito me enrolei numa toalha do Corinthians, queimei todos os dedos tentando acender bombinhas – Deus, eu tenho 29 anos e estava soltando bombinhas!!! Depois do apito entrei no carro com o broto, o irmão mais novo e a cunhada – éramos as únicas corintianas e nos entendíamos. Fomos perambular pela cidade vestidos de campeões. Eu, a cunhada, os loucos, os que amam, nós nos reconhecíamos. Não precisava de uma camiseta ou toalha que nos identificasse, nem dos gritos, nem dos fogos, nem das buzinas. Naquele instante compartilhávamos a mesmíssima felicidade e vibração. Em um congestionamento, quase parados, alguns dos que amam passaram lentamente a bandeira corintiana sobre o carro como um manto. Fechei os olhos e tive um flash de um passado que não me lembro. Não sei quando me tornei corintiana, não lembro da minha existência sem ter sido um só segundo não-corintiana. Mas contam que, ainda bebê, tipo, eu nem andava; meu pai me levou numa loja de artigos esportivos pra comprar uma camisa do Palmeiras – sim, sempre tendi à ovelha negra da família. Mas lá no meio de todo aquele verde que qualquer criança ostentaria, eu puxei uma camiseta do Corinthians, fixei o olhar bobamente no símbolo do canto e fiquei beijando aquilo. Claro que não me recordo de nada disso, mas meu pai, o palmeirense, conta. Imagino a dificuldade que foi pra ele tanto presenciar quanto me dizer. Depois de abrir os olhos a bandeira ainda estava ali em cima de mim e enfim entendi que me tornei corintiana naquele dia, há mais de 28 anos atrás, quando ainda nem sabia o que era ser gente. Entendi junto com todos aqueles que amam. Enfim, fomos libertos. Obrigada, doutor Sócrates, por nos ensinar a democracia que nos deu a coragem de insistir na conquista por essa liberdade.  E que sabor maravilhoso tem a liberdade corintiana!

O emblema que mereceu beijos e sorrisos de um bebê nos idos de 1983/1984.

O texto em seu estado da arte.

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