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O DIA EM QUE O FUTEBOL PERDEU A IMPORTÂNCIA

Por Tiago Pimentel

Há quem diga que o futebol é a coisa mais importante dentre as coisas menos importantes. Mas não foi assim no Recife, no dia 15 de abril de 2012.

Dia de Clássico das Multidões na Ilha do Retiro. Dentro de campo o Sport bateu o Santa Cruz por dois tentos a um, confirmando a melhor campanha na primeira fase do campeonato pernambucano. Mas nada disso importa.

Durante o jogo, começaram a pipocar nas redes sociais relatos sobre o vandalismo que estava ocorrendo no Estádio da Ilha do Retiro. Mas a estupidez uniformizada estava apenas começando.

Pouco depois, os relatos foram piorando, e davam conta de brigas e arrastões pela cidade. Torcidas uniformizadas invadiam bólidos para agredir e roubar passageiros. Tomo aqui a liberdade de transcrever um relato de quem experimentou momentos de terror dentro de um coletivo:

“Eu já não gostava de torcidas organizadas e depois do que aconteceu hoje comigo, fiquei ainda mais revoltado!
A TORCIDA JOVEM DO SPORT INVADIU O ONIBUS NO QUAL EU ESTAVA (CDU-CAX-BVG), E ROUBOU OS PASSAGEIROS, QUEBROU QUASE TODOS OS VIDROS, CAUSARAM BRIGA COM O MOTORISTA E O COBRADOR, ABRIRAM AS SAIDAS DE EMERGENCIA,BATERAM EM MULHERES, HOMENS,MACHUCARAM UM IDOSO NA FRENTE DAS CRIANÇAS QUE CHORAVAM DESESPERADAS AO VER O SANGUE  E O BARULHO. EU SO NÃO APANHEI, PORQUE ESTAVA NUMA JANELA E FUI ATINGIDO APENAS POR ESTILHAÇOS DE VIDRO…Foi uma cena que se estendeu por uns 15 minutos,nao deixavam o motorista parar em nenhuma parada….horrivel e lamentavel! que ninguem precise vivenciar o que eu vivenciei hoje! RIDICULO NAO SÓ PARA O SPORT,MAS PARA O FUTEBOL PERNAMBUCANO!”

Outro caso foi o do rapaz atropelado enquanto aparentemente fugia de uma briga. Mais tarde, no programa Lance Final da Globo Nordeste, as imagens era ultrajantes.

Nesse momento, todos os clichês possíveis passaram pela minha cabeça, afinal todos esses clichês são aplicáveis ao caso. Não está a se acusar uma ou outra torcida uniformizada, mas o ar de repúdio dirige-se a todas. Até porque esses indivíduos não torcem para time algum.  Na verdade, eles se colocam acima do clube, e acima do torcedor de bem.

O sentimento geral é de perplexidade em face de tanta cretinice e barbárie. Hoje em dia essa violência gratuita ganha ares mais perversos, quando esses imbecis uniformizados deliberadamente premeditam as brigas.

Por seu turno, o art. 288 do Código Penal é cristalino ao definir o crime de formação de quadrilha ou bando: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes. Pena – reclusão, de um a três anos.” Portanto, a conduta dos membros das torcidas organizadas é prevista por lei como crime. Isso sem prejuízo dos crimes previstos no Estatuto do Torcedor. No entanto, são tomadas medidas inócuas, como proibir as uniformizadas de frequentarem estádios, mesmo os tumultos não ocorrendo necessariamente no estádio. Isso porque, conforme explicou o juiz titular do Juizado Especial do Torcedor da comarca de Recife, Dr. Aílton Alfredo de Souza, a polícia não atua de forma hábil a produzir as provas necessárias para punir esses torcedores, portanto, o Poder Judiciário e o Ministério Público ficam de mãos atadas.

Enquanto isso, o futebol, que muito mais que uma diversão, é um verdadeiro patrimônio cultural brasileiro, está de luto. Afinal, como pensar nos quadrangulares? Como pensar nos lances polêmicos? Como pensar nos gols? Que me desculpem os mais aficcionados, mas nesse 15 de abril, o futebol não teve a menor importância.

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Tiago Pimentel é advogado, corintiano, paulistano e atualmente reside em Recife.