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O EUROCENTRISMO E O TÍTULO MUNDIAL DO CORINTHIANS

Há no meio acadêmico um campo de estudo relacionado ao modo de fazer ciência, desenvolvido aos moldes das tradições ocidentais. Tal modo, em linhas gerais, representa um ou vários modelos que tornaram-se, por influência ao estilo relação centro-periferia, o método científico mais formal e aceito mundo afora e abrange toda uma determinada sequência lógica que o pesquisador acadêmico deve seguir para atingir uma conclusão, comprovando ou negando uma hipótese.

Fernando Torres observa de longe e lamenta vitória do Corinthians em Yokohama

Com a explosão de movimentos econômicos e sociais tais como o renascimento, o iluminismo e a industrialização que tiveram estopim na Europa, o desenvolvimento e a acumulação de riquezas naquele continente resultaram no aumento da disparidade entre populações europeias e não europeias.

A questão da produção de ciência ou cultura (esporte e, mais especificamente, futebol inclusos) encaixa-se no contexto. Senão, basta analisar o futebol. Esporte genuinamente britânico que chegou ao Brasil e ao resto do mundo e logo tomou corpo em grande parte do planeta ao cair nas graças das populações locais.

É possível que os movimentos de alavancagem econômica e social europeus não sejam os únicos motivos da expansão da ciência e cultura europeias no mundo. Por sinal, esse difusionismo tem sido estudado por vários pesquisadores que tentam explicá-lo. Há dois deles que estudaram questões pertinentes à relação centro-periferia nas ciências. Algo também existente no futebol mundial e sempre escancarado no momento do Mundial de Clubes da FIFA quando o gigante europeu enfrenta quase sempre o desafiante sul-americano.

George Basalla é um historiador estadunidense que propôs um modelo de difusão da ciência no mundo extra europeu que se resume em três fases. As sociedades não científicas, onde o pesquisador do Velho Continente vai à nova terra a ser explorada e a conhece. A ciência colonial, que é a ciência dependente do grande centro. E, finalmente, vem a luta da “nova terra”, já amadurecida no modelo importado, em atingir a independência científica.

Nesse contexto, o espanhol Antonio Lafuente dedicou-se ao estudo da ciência periférica, questionando a História da Ciência em locais de passado colonial e apontando para a dificuldade da ciência realizada na periferia em ser aceita no grande centro.

Transportando tudo isso para o mundo da bola, é possível fazer a analogia com a situação vivida e altamente discutida na mídia brasileira a respeito da atitude do europeu e do sul-americano em relação ao Mundial de Clubes.

David Luiz lutou, mas sucumbiu frente ao ótimo Corinthians

Pode-se dizer que, adaptando a realidade pontual futebolística ao modelo de Basalla e tomando o Brasil como exemplo, o futebol teve sua fase de “sociedade não científica” quando o desporto em questão foi introduzido no País. O explorador europeu veio ao Brasil, o conheceu e aplicou seu conhecimento por estas bandas.

Em seguida, aconteceu a fase da “ciência colonial” quando o Brasil, dependente da grande potência da época, o Reino Unido da Grã-Bretanha, aprendia o futebol ao colar-se ao disseminador cultural britânico e assimilava e desenvolvia sua própria ciência aos moldes do grande centro irradiador.

Finalmente, o Brasil, periférico, assentava-se na prática desportiva em questão, buscava e atingia sua independência ao conseguir produzir sua própria ciência, isto é, o seu estilo de jogar futebol que tornar-se-ia altamente competitivo em relação aos mais altos níveis internacionais, sempre, é claro, seguindo os moldes centrais de se fazer ciência que se traduzem em aceitar as regras do jogo criado pelo centro.

A novidade foi que, no andamento do processo, algo aconteceu. E, de forma negativa para o mundo periférico tecnicamente desenvolvido.

A partir dos anos 80, deu-se o início do processo de recrudescimento das condições econômicas na América Latina. Algo que gerou crises financeiras sem precedentes na região. Paralelamente, o mundo começava a experimentar o fenômeno da globalização, sentido no futebol com a abertura crescente por parte da Europa unida para a vinda de jogadores extra comunitários. Estava aí a combinação perfeita para o início maciço do êxodo dos maiores craques, sobretudo brasileiros, argentinos e uruguaios rumo ao Velho Continente. No Brasil, o primeiro sinal claro do processo ocorreu em 1980, quando a Seleção Brasileira ver-se-ia desfalcada em sua base titular no momento em que o SC Internacional negociou Paulo Roberto Falcão para a AS Roma.

O problema maior disso tudo foi uma espécie de quebra de espinha dorsal técnica sentida no Brasil e na América do Sul com jogadores talentosos e cada vez mais jovens partindo sem freio. Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, os clubes capacitavam-se com recursos humanos cada vez mais preciosos, formando verdadeiras seleções internacionais de futebol em seus quadros.

O processo significou uma espécie de retrocesso científico dentro do modelo de Basalla. Foi como se o Brasil e a América do Sul tivessem retornado ao modelo de “ciência colonial”.

No limiar do início da segunda década do século XXI, países emergentes como o Brasil começavam a apresentar índices de crescimento econômicos promissores, enquanto que o Primeiro Mundo se via em maus lençóis em nova fase de turbulência econômica cíclica do modelo capitalista.

Paralelamente aos rumos econômicos do Brasil e do mundo está o Sport Clube Corinthians Paulista.

O ano era 2007 e o Timão via-se rebaixado à Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. O fim do mundo, o fundo do poço para um clube super popular. Mas, algo que era pior que trágico foi transformado em reconstrução. Aliás, uma jamais vista no futebol brasileiro. Caminho rumo ao topo que passou por títulos da Copa do Brasil, do Campeonato Brasileiro, a tão almejada Copa Libertadores e que culminou com o título mundial de clubes em Yokohama frente ao Chelsea FC inglês.

Mais que isso, o Corinthians tornou-se saudável financeiramente ao descobrir seu potencial de fazer dinheiro a ponto de se tornar o clube mais próspero do País.

Corinthians no topo do mundo

Não bastasse o enriquecimento do clube, o mundo viu uma mobilização de fãs jamais vista na história no momento em que grupo estimado de 25 mil pessoas cruzou o globo rumo a terras nipônicas com o intuito de empurrar o time do coração.

Para completar o tripé, eis a questão técnica. Time sem craques, dirigido desde 2010 por Adenor Bacchi “Tite”, trata-se de um dos maiores exemplos de disciplina tática e padrão de jogo regular e definido de que se tem notícia no Brasil. Verdadeira antítese à fama recente do futebol tupiniquim de desleixado no desenho em dentro de campo. Prova disso foi a vitória convincente sobre o Chelsea por 1×0 e não fruto do acaso ou da sorte como em outras ocasiões envolvendo equipes brasileiras.

É exatamente isso. O time do Corinthians deu seu recado ao ir e vencer. Sua fanática torcida deu seu recado ao ir, cantar e torcer. Sua direção deu seu recado ao organizar-se e fazer o clube prosperar.

Agora cabe a indagação: estará este Corinthians no limiar de fazer o futebol brasileiro retornar à fase de independência científica (no caso, cultural e desportiva)?

Para colocar mais pimenta na questão filosófica de boteco, pipoca na imprensa, claro em tempos de mercado da bola em alta com as férias, a possível proposta milionária que o Corinthians poderá fazer ao AC Milan para contar com Alexandre Pato.

Uma constatação pode-se ter. Se alguém no mundo não europeu algum dia conseguir quebrar o paradigma eurocentrista no futebol (ainda longe de acontecer), seguramente o Brasil, capitaneado pelo Corinthians Paulista, será uma das melhores apostas a fazê-lo. Candidatos? Até que sim, a longo prazo. A Major League Soccer estadunidense-canadense cresce de forma decente aproveitando-se da expertise nos esportes profissionais daquela região. A superpotência do futuro, a China, começa a descobrir o esporte de forma profissional. No Brasil e na Argentina há a técnica, mas faltam a organização e o dinheiro (mais organização na Argentina e mais dinheiro no Brasil), comparativamente à Europa. Talvez nem tanto para os novos bicampeões do mundo do Corinthians que dão o exemplo dentro e fora de campo.

Abençoado tenha sido o gol de Paolo Guerrero no glorioso 1×0 corintiano sobre os campeões europeus do Chelsea. Que o futebol brasileiro retorne a seu período de independência científica traduzido na técnica e que atinja a competitividade econômica tão almejada. A partir daí, os europeus passarão a ver o futebol de outras bandas do planeta com outros olhos, fazendo com que a ciência, no caso o futebol, produzida por aqui seja aceita no centro, resolvendo a problemática proposta por Lafuente. Abençoado tenha sido o salutar título corintiano em Yokohama nas circunstâncias em que ocorreram.