Escreveu Claudinei Cotta.
O TETRA EM QUATRO ATOS
Domingo, 23 de novembro de 2014.
Pouco antes das 19 horas o árbitro encerrava a partida entre Cruzeiro e Goiás no Mineirão. A vitória pelo placar de 2 a 1, com gols de Ricardo Goulart e Everton Ribeiro, já está eternizada na memória de toda a China Azul, consagrando o Cruzeiro como Tetracampeão Brasileiro.
Mas como o Cruzeiro atingiu os 76 pontos que garantiram o título?
É possível dividir a conquista em quatro atos.
ATO I – PRÉ COPA:
A expectativa para a realização da Copa do Mundo já tomava conta de todo o país e as nove rodadas iniciais aconteceram no que pode ser considerado um “Brasileirinho”. Nesse período o Cruzeiro dividia a disputa do campeonato nacional com a Taça Libertadores da América, colocando em campo uma equipe que mesclava alguns titulares, muitos reservas e novas figuras das categorias de base. Importantes vitórias aconteceram neste período, com destaque para os pontos obtidos nos confrontos contra Bahia, Atlético Paranaense e Internacional.
As derrotas para Atlético Mineiro (quando o Cruzeiro entrou em campo com um time reserva) e Corinthians foram lamentadas, mas compreendidas pela torcida, pois no fim das contas o Cruzeiro conquistava o Brasileirinho com 19 pontos, após massacrar o Flamengo em Uberlândia por 3 a 0, placar construído no primeiro tempo.
ATO II – CONSOLIDANDO A LIDERANÇA
A maioria dos torcedores brasileiros amargavam o desastroso 7 a 1 sofrido pela seleção brasileira contra a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo. Havia ainda a chamada depressão pós-Copa, aquela sensação de que seria difícil encarar alguns jogos do Brasileirão depois de uma Copa do Mundo empolgante.
Não era bem esse o sentimento da torcida celeste, pois para o cruzeirense a parada para a Copa significava um período de quase 50 dias longe da equipe que liderava o campeonato nacional, correndo o risco de uma quebra de ritmo justamente quando a equipe estava embalada. Nesse meio tempo o Cruzeiro fez alguns amistosos nos Estados Unidos, atuando contra equipes locais e fortes equipes mexicanas.
O retorno do Brasileirão ocorreu contra o Vitória, no Mineirão, o mesmo palco do vexame da seleção brasileira. Cabia ao time do Cruzeiro exorcizar os fantasmas do Mineirazzo e seguir adiante na disputa pelo quarto título nacional. O Cruzeiro bateu o Vitória por 3 a 1 e continuou no comando da tábua de classificação.
Nesta fase o Cruzeiro conseguiu ampliar a vantagem sobre os principais adversários com vitórias importantes contra Palmeiras, Grêmio, Goiás e um primoroso segundo tempo com uma goleada incontestável contra o Figueirense, relembrando o estilo de jogo do título de 2013. O returno foi encerrado com um empate em 3 a 3 contra o Fluminense no Maracanã, com um golaço de Marcelo Moreno. Esse certamente foi um dos melhores jogos do Brasileirão 2014.
ATO III – O DESGASTE
No primeiro jogo do returno o Cruzeiro vence o Bahia por 2 a 1 no Mineirão. Contra o tricolor baiano o time venceu sem convencer, sem a velocidade e o toque de bola que simbolizava o futebol cruzeirense até então. Mas venceu!
A partida seguinte contra o São Paulo foi a primeira final do campeonato. O Cruzeiro fez um bom primeiro tempo, mas no fim das contas foi merecidamente batido pelo São Paulo, que estava em ascensão no campeonato e reduzira a vantagem para quatro pontos. Muitos questionamentos surgiram e o time celeste encarava uma pequena crise.
Após uma tranqüila vitória contra o Atlético Paranaense por 2 a 0, o time cruzeirense teria pela frente o Atlético Mineiro, no Mineirão, e com amplo apoio da torcida azul. Confirmando a tese de que futebol não tem lógica, e clássico regional ainda menos, o Cruzeiro é derrotado por 3 a 2, mesmo atuando com superioridade no segundo tempo e com chances de ampliar o marcador. Um duro golpe!
A vitória contra o Coritiba fora de casa e o empate contra o Sport garantiam a manutenção da liderança, mas o Cruzeiro definitivamente apresentava uma nítida queda de rendimento. A partida contra o Internacional, no Mineirão, foi anunciada como a nova final do campeonato, pois os gaúchos estavam em alta. O Cruzeiro venceu e convenceu. O futebol empolgante de 2013 e de todo o primeiro turno voltou a empolgar a torcida. O time dava sinais de que poderia engrenar uma importante sequência de vitórias.
Mas o que aconteceu a seguir foram duas derrotas. A primeira para o Corinthians, no Mineirão, jogando mal, e sem chances de superar a bem posicionada defesa corintiana. Já a derrota seguinte será certamente lembrada como a pior apresentação do Cruzeiro em 2014, com direito a momentos absolutamente ridículos protagonizados por toda a defesa cruzeirense, com direito a golaço contra do zagueiro Dedé e um constrangedor desentendimento entre o zagueiro Manoel e o goleiro Fábio. Resultado: um acachapante 3 a 0 para os rubro-negros!
Em meio a muitas desconfianças o Cruzeiro venceu o Vitória em Salvador por 1 a 0, com gol de Dedé, justamente um dos vilões da derrota para o Flamengo. Futebol tem dessas coisas! Nas rodadas seguintes o Cruzeiro teria condições de conquistar importantes pontos contra equipes desesperadas da tabela. Mas não existe mais jogo fácil e os celestes derraparam novamente contra Palmeiras e Figueirense, com dois empates amargos.
ATO IV – SUPERAÇÃO
Na fase final do Campeonato Brasileiro muitos acreditavam que o Cruzeiro não teria mais forças para manter a liderança. Mas o time não derrapou contra equipes fracas como Botafogo e Criciúma. As duas vitórias devolveram o entusiasmo ao time. Nesse meio tempo o Cruzeiro enfrentava a maratona de jogos da Copa do Brasil, com o time avançando para as finais.
Numa tarde de domingo o Cruzeiro venceria o Santos, o mesmo rival das semifinais da Copa do Brasil, e com um belo gol de Ricardo Goulart. A vitória conquistada na Vila Belmiro, manteve a diferença para o São Paulo em quatro pontos e o Cruzeiro partia então para o dificílimo jogo contra o Grêmio em Porto Alegre. Mais uma final!
Chego do trabalho um pouco mais cedo e pronto para um jogo complicado. A partida acontecia numa quinta-feira, um jogo de Brasileirão com cara de Libertadores e Copa do Brasil, pois o adversário era o Grêmio, velho rival de competições nacionais e internacionais. Contra o tricolor gaúcho o Cruzeiro voltou a fazer um primeiro tempo pavoroso. O Grêmio poderia muito bem ter aplicado um placar elástico, mas não soube aproveitar as chances. Fábio fez dois milagres durante a partida e o Cruzeiro no segundo tempo voltou a jogar bem, controlando a partida e apresentando um belo toque de bola. O empate ficou por conta de Ricardo Goulart, o artilheiro celeste no Brasileirão. A virada veio nos pés de Everton Ribeiro, num contra ataque muito bem construído. Cruzeiro 2 a 1 na Arena do Grêmio. O Cruzeirão abria sete pontos sobre o São Paulo a gora faltava um jogo para o título.
Chuva forte em BH. Quase 60 mil torcedores lotam o Mineirão. O gramado estava encharcado, é o que afirmavam os comentaristas da Rádio Itatiaia de Belo Horizonte. Por volta das 13 horas comecei a me preparar para a partida. Bandeira azul na sala. Camisas históricas do Cruzeiro espalhadas por todos os lados. Minha mulher sempre olha desconfiada para esse ritual pré-jogo decisivo e nunca compreende bem essa lógica. Mas é melhor assim! Nunca vou conseguir compreender quem não ama futebol, pois estão livres de certos sofrimentos, o que é bom, mas nunca viverão essa ansiedade e o sentimento de felicidade pela conquista de um título. Ao menos ela não é atleticana!
A “final”: O Cruzeiro saiu na frente com um gol de cabeça de Ricardo Goulart, aos 13 minutos. O time celeste controlou a partida durante boa parte do primeiro tempo, mas sofreu o empate numa vacilada da defesa. No segundo tempo vem a notícia de que o São Paulo vencia o Santos e com os resultados a decisão do campeonato seria adiada para a penúltima rodada. No segundo tempo o Cruzeiro avançava ao ataque como é de costume, mas o Goiás contra atacava com perigo. Por volta dos 20 minutos Ricardo Goulart vai até a linha de fundo e cruza: 2 a 1 no placar, com um gol de cabeça do baixinho Everton Ribeiro.
Sofri com alguns ataques do Goiás e o iminente risco de empate a qualquer momento. O jogo parecia não terminar! Impossível não lembrar de alguns gols sofridos nos últimos minutos contra Atlético Mineiro, Figueirense, Fluminense e Palmeiras.
Quando o juiz apitou o final da partida me lembrei dos quase 70 gols marcados pelo Cruzeiro em todo o campeonato.
É impossível não homenagear os heróis do passado, como Tostão, Dirceu Lopes, Procópio, Natal e todos os outros craques campeões de 1966. Há ainda os heróis do primeiro título por pontos corridos, conquistado em 2003: Alex, Gomes, Aristizabal, Maurinho, Leandro, etc.
Os heróis do tetra são, guardadas algumas exceções os heróis do tricampeonato: Fábio, Ricardo Goulart, Everton Ribeiro, Ceará, Mayke, Lucas Silva, entre outros.
E então o Cruzeiro Esporte Clube escrevia nesta tarde de domingo mais uma de suas “páginas, heróicas e imortais”: É TETRA!
Claudinei Cotta, cruzeirense, é professor de Sociologia e História.