PALAVRA DE JOGADOR

Por Ciro Barros
Paulo André, do Corinthians: “Hoje temos cargos políticos e não técnicos para conduzir o futebol”

Será que a discussão sobre os impactos da realização da Copa do Mundo no Brasil não esqueceu de incluir ninguém? Especialistas, dirigentes, políticos, a própria Fifa… Muitas são as vozes ouvidas neste debate. Mas e os jogadores? O que os grandes protagonistas do evento têm a dizer sobre ele?

O Copa Pública convidou o zagueiro Paulo André, atualmente no Corinthians, para refletir sobre a organização da Copa do Mundo de 2014 e apresenta aqui um jogador que foge ao discurso insosso adotado por alguns de seus companheiros de profissão, ensaiados nos “media-training” das assessorias de imprensa, e não teme polêmicas, criadas a qualquer declaração das estrelas da festa, os jogadores.

“Muito provavelmente a gente não vai ter legado, não vai ter boas coisas após a Copa do Mundo a não ser dívidas milionárias que serão pagas por nossos impostos” diz sem medo de melindrar ninguém. Paulo André se preocupa com as condições de trabalho dos atletas, a decadência técnica e a gestão do futebol brasileiro. Articulado, o zagueiro é autor do livro “O Jogo da Minha Vida” (Editora Leya), lançado em 2012, e parece determinado a incluir de vez a voz dos protagonistas do futebol na sociedade.

O que você acha do Brasil sediar a Copa do Mundo?

Bom, inicialmente (sou a favor) sim. Como trata-se do maior evento esportivo do planeta e sendo o país do futebol, eu acho que é interessante para um país que está se desenvolvendo receber a Copa do Mundo. Então, na essência eu sou a favor. Mas aí quando você entra nos pormenores, nas entrelinhas, acho que o foco deveria ser o legado que deixa para as futuras gerações como centros esportivos e formação de jovens atletas. Muito provavelmente a gente não vai ter esse legado, não vai ter boas coisas após a Copa do Mundo a não ser dívidas milionárias pagas com os nossos impostos.

O atleta, enquanto protagonista da Copa do Mundo, enquanto protagonista da Copa do Mundo, poderia participar mais da organização da competição?

De alguma maneira os jogadores estão alienados com relação ao evento. A gente fica só esperando, a gente enquanto classe, assim como a população em geral, fica esperando 2014, a realização dos jogos para comemorar, para festejar e acaba ficando um pouco alheio a toda a política e tudo o que envolve essa montagem do palco, ou dos palcos para a Copa do Mundo. Não sei se caberia aos atletas se envolver na organização, porque essa discussão é entre governos federal, estadual e municipal, além é claro da Confederação e das Federações de futebol. Acho que ex-atletas deveriam ter cargos dentro dessas federações e confederações e aí sim representar de alguma maneira e através da sua experiência os atuais jogadores.

A Copa não poderia também levantar a bola da decadência técnica do futebol brasileiro?

Acho que não precisaríamos receber uma Copa do Mundo para perceber ou enxergar que a gente ficou um bom tempo estagnado. Só os últimos resultados da seleção e assistindo ao Barcelona podemos nos dar conta de que nós paramos no tempo e precisamos aprender coisas novas e evoluir. Então esse ano a gente já viu algumas coisas na CBF começando a ser discutidas. Estamos começando a nos movimentar de novo e eu espero que a gente saiba aonde quer chegar.

Então o futebol brasileiro aprendeu alguma coisa após os 4 a 0 que o Barcelona fez no Santos na final do último Mundial Interclubes? 

Acho que sim, até escrevi um texto no meu blog sobre isso. Acho que enquanto a gente perdia um jogo aqui e um jogo lá, ainda desconfiava de que éramos os melhores do mundo, o país do futebol, e que tínhamos os melhores jogadores. E esse jogo foi interessante por isso, porque a gente viu o Neymar, que é o nosso melhor jogador e a nossa grande esperança de alegria para a Copa do Mundo, saindo do jogo dizendo que o Santos tinha acabado de receber uma aula de futebol. Ou seja, ele foi muito honesto, sábio e fez uma leitura perfeita do jogo. Acho que a partir dali coisas começaram a se movimentar. Muito lentamente, acho que há um bom caminho a ser seguido, e esse caminho passa pela capacitação de profissionais não só na formação, mas na gestão do futebol do Brasil. Hoje nós temos cargos políticos e não temos cargos técnicos de pessoas qualificadas para levar o futebol no caminho que ele tem que ir.

 

 Hoje nós temos cargos políticos e não temos cargos técnicos de pessoas qualificadas para levar o futebol no caminho que ele tem que ir

 

O que você acha que precisaria ser mudado no futebol brasileiro em termos de gestão e de formação de atletas? 

Bom, com relação à gestão é como eu disse: quem quer assumir a CBF, ou está lá, tem que saber exatamente aonde quer chegar. Qual é o tipo de jogo que o Brasil quer apresentar daqui a dez anos? Como fazer isso? Como formar esses jogadores? É preciso acompanhar isso do começo. É lógico, nem tudo é errado, nem tudo está perdido, mas tem muitas coisas que podem ser mudadas e melhoradas. Infelizmente hoje, temos que copiar os outros, a gente não está mais inventando toda a coisa. Com relação à formação, acho que um calendário único (poderia ser feito) para que você possa otimizar a formação e não pensar em resultado. Na minha opinião, teríamos que dar mais tempo aos jovens. A gente é muito precoce e nossos jogadores, com 17, 18 anos já têm que estar no profissional quando eles não estão maduros o suficiente para isso. Eles não têm uma formação adequada não só dentro de campo, como principalmente fora de campo, como cidadãos e seres humanos.

Falta investimento no esporte no Brasil de uma maneira geral? Os atletas, por uma série de fatores, deixam de reivindicar e pleitear mais investimento?

Acho que o futebol é um caso a parte. O futebol tem investimento necessário e os clubes recebem bastante dinheiro para sobreviver. Os outros esportes, os olímpicos em especial, passam enormes dificuldades, pois não há investimento na formação dos atletas e esse investimento só ocorre quando os atletas já são campeões mundiais ou olímpicos e chegaram lá de alguma forma que não através do investimento do governo. Sem dúvida nenhuma, uma grande parcela de culpa é dos atletas que não se unem e não reivindicam os seus direitos ou melhorias e todo mundo tem medo de falar pela possibilidade de ser retaliado depois. Ou seja, você tem um fenômeno no atletismo que acabou de surgir em que a pessoa não pode falar mal da federação ou da confederação porque ela depende daquele dinheirinho que recebe mensalmente para sobreviver e para viajar para os campeonatos. Então, é bem difícil. Esses dias o Aldo Rebelo falou uma coisa que me chamou bastante a atenção e acho que ele tem razão. Ele disse: não falta dinheiro para as federações e confederações, o que falta é capacidade de gestão. E os políticos que estão lá há mais de dez anos, na maioria dos casos, estão ultrapassados e não têm a menor ideia do que é gerir uma federação ou confederação de esporte, seja do futebol ou dos esportes olímpicos.

Como você reagiu quando o Ronaldo, que foi seu companheiro de elenco, assumiu o Comitê Organizador Local (COL)? Você acha que há conflito de interesses por ele ter uma agência que gere a carreira de alguns atletas? 

Acho que o Ronaldo é um cara que quer fazer bem para o Brasil e que quis ajudar o país a ter uma boa imagem e a observar o que estava acontecendo ali dentro. Talvez não tenha sido bem explicado qual seria a função dele, ou a obrigação dele como um representante do COL e isso passou meio que batido. Mas o Ronaldo é uma pessoa idônea e o mínimo que a gente pode esperar dele é que ele busque o bem do futebol e o bem do país. Não consigo cobrar, mesmo ele sendo meu amigo, e não sei se eu consigo cobrá-lo como brasileiro porque eu não sei qual é a função dele. O COL vem sendo muito criticado e tem tido muitos problemas.

Então o que vai ficar para os jogadores depois da Copa? O que um jogador iniciante que está lendo esta entrevista pode esperar?

Sem ser muito pessimista, eu vejo os estádios que estão sendo construídos, teoricamente de última geração, que vão melhorar um pouco a qualidade e as condições de trabalho dos atletas. Na formação, a gente vê pouca coisa mudando devido à Copa. Então acho que de legado mesmo, só os estádios. Fora isso, pouca coisa vai mudar.

http://apublica.org/2012/05/palavra-de-jogador/

 

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