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JP TOZO 2X0 CORINTHIANS

Minha passagem pelo esporte Rei vem de muito antes ao exercício do livre pensamento transformado em palavra escrita.

Como todo molecote brasileiro, tive uma infância, nos já longínquos anos 80, permeada quase que em sua totalidade por prazeres ligados ao futebol.

Das solas grossas dos pés que encaravam a dureza do asfalto esburacado da rua de minha avó paterna, passando pelas pracinhas nas vizinhanças da casa de meus avós maternos, onde eu e a galerinha tínhamos que driblar a nós próprios, além dos coqueiros, pés de boldo, um bode e uma série de outros arbustos até chegar ao gol.

Na Vila mais querida do mundo, não a Belmiro, que é a mais famosa, mas o Carrão, o meu bairro, existe ainda hoje um clube chamado Atlético do Carrão.

Há uns 20 anos que não visito o local. Mas dos meus 8 aos 11 anos foi lá que vislumbrei meu maior/ único momento de estrela do futebol.

Aos 8 anos, já vivido nos cimentos das arquibancadas por onde passava o alviverde, aquela quadra de taco rústico me assustava em princípio. Cabral, o técnico da molecada, era enfático com o meu pai: “na linha eu tenho muito maloqueiro bom de bola, Giba”.

Sem problemas, me mandaram pro gol.

Se eu tivesse sido consultado e certamente teria ido embora. Mas estava lá, olhando aquela rapaziadinha realmente muito boa de bola mandando umas bicudas pro gol. Completamente sem noção do que fazer, as bolas balançavam as redes. Lamentável!

Até que após um esporro e outro, já vendo que não tinha mais onde me ferrar, resolvi tentar.

Pancada do meio da quadra (por pancada compreenda um chute forte de uma criança de no máximo 10 anos), canto direito, de soslaio notei que não podia dar rebote pois havia um rival a espreita na direita. Cai então de mãos bem abertas, desviando direto para escanteio. “Milagre!”, alguém gritou ao fundo.

No fundo da minha alma fui tocado pelo prazer da disputa e então me tornei o goleiro titular do Clube Atlético do Carrão, um clube alvinegro com emblema muito parecido ao do Santos. Titular da categoria “fraldinha”.

O Carrão era um clube peculiar, pois tinha uma garotada realmente arteira na prática da pelotagem, mas tinha um costume bastante negativo: perder.

Portuguesa, Bordon, Clube Nacional (aquele do Senna), clubes menores dos bairros vizinhos. Sempre jogávamos bem, mas terminávamos derrotados. Era um saco!

Mas internamente eu me dava bem. O goleiro da categoria imediatamente acima não passava por um bom momento e não eram raros os pedidos para que eu fosse goleiro nos dois times, o que o professor Cabral não permitia.

Um dia chego para treinar e recebo a informação de que no sábado daquela semana iríamos fazer nosso primeiro jogo fora, que seria no Tatuapé, na Rua São Jorge. Sabem que clube é esse, não?

Meu pai certamente deve ter pensado em ir de homem bomba, tia Rita foi também, ou seja, toda a ala alviverde xiita da família, exceto o tio Jura, estava lá no Corinthians. Mas minha mãe foi junto e bancou a calma de saída.

Ginásio do Corinthians, lotado! Uma molecadinha metida a besta, com pais metidos a bestas, se achando por cima da carne seca. Pensei: “Não perco essa merda nem f******!”

Minha veia competitiva aguçou naquele dia e a vontade era de jogar com uma camisa do Palmeiras por baixo e mostrá-la a cada ponte feita (risos).

E então nosso cotejo teve início. O “fraldinha” deles não era grandes coisas e nós vencemos até que com tranqüilidade. Só que foi a nossa primeira vitória em jogos contra e logo contra o Corinthians, na casa deles. Era muito bom pra que não merecesse umas zoadinhas matreiras.

Festa das mães do Carrão, xingamentos dos pais corintianos. Um caldeirãozinho. Mas a meta até então cumprida.

Descanso dos justos, sanduba de mortadela, refrigerante. E fomos então assistir ao jogo do pré-mirim. Era o quadro imediatamente acima ao nosso, mas a molecada parecia ter o dobro do tamanho. Ou vai ver era só a minha percepção de mundo.

Começa a peleja, gol do Corinthians. Quase a quadra cai. Recomeça o jogo, gol do Timão. Começou a ficar feio e o nosso goleiro sentiu a pressão. O ataque até que funcionava e os gols aconteciam, mas tudo chutado no nosso gol entrava.

E então uma manifestação tímida começou a ganhar força na torcida do Carrão: “Porra Cabral, põe o João no gol!”. E isso virou coro e o couro começou a comer e o Cabral mandou eu vestir as luvas. Pensei: “To na merda, vou tomar um couro”.

Nosso goleiro saiu cabisbaixo e até hoje aquela cena me corta o coração. Mas era a minha missão.

Eu era bem menor que ele e os corintianos inteligentemente começaram a mandar bolas altas. A primeira que foi eu espalmei, ela tocou no travessão e saiu. Ganhei confiança. A 2ª veio, uma porrada, cai no canto e encaixei. O peito doía que era uma desgraça. Mas sem careta.

Nossas bolas continuaram entrar na meta deles, mas as deles não entravam mais na nossa. Empatamos. Pressão dos infernos. Garotadinha corintiana descendo a madeira e o juizão caseiro nem se manifestava.

Parecia que o jogo já tinha 3 horas de duração, mas eu estava adorando, as mães gritavam meu nome, era uma festa. Podia durar 3 dias.

No finalzinho, porrada daqui, porrada de lá, bola sobra e caixa. Gol nosso. Virada histórica. Fim de jogo.

A pressão se esvaiu, os pais se tornaram amistosos, Cabral me deu um tapa na cabeça e eu tive a minha noite de herói, contra o Corinthians. Sabor único.

Antes de irmos para os vestiários, o técnico da corintianadinha foi falar com meu pai. Conversa vai, conversa vem e então veio o convite: “Quer trazer seu moleque pra treinar aqui com a gente?”

Eu só olhando. Minha mãe deve ter pensado em chamar a polícia. Mas meu pai, ao contrário de qualquer expectativa, sem violência, sem xingamentos, apenas olhou no fundo dos olhos do cara e disse: NUNCA!

Sei lá o que teria sido de mim se ele tivesse dito sim. Provavelmente não teria sido goleiro, já que minha estatura depois de adulto parou dentro da média.

Depois me tornei um habilidoso meia direita fazedor de gols e que coloca o Valdívia no bolso. Mas tantas outras situações que ocorreram naqueles meus anos de chumbo impossibilitaram continuar minha vida futebolística.

Só que até hoje guardo essa passagem na memória com enorme carinho. Aconteça o que acontecer, isso está nos anais da história e não há possibilidade de ser mudado.

Uma história que conta: JP Tozo 2X0 Corinthians.

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 Glorioso Clube Atlético Carrão

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