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QUAL É A MÚSICA DE SUA VIDA?

Minhas memórias musicais também estão ligadas a uma imagem. Talvez quem tem a minha idade também se lembre dela, que reproduzo logo ali abaixo. Mas para mim, e talvez para outros em minha situação, ela seja um pouco mais especial. A ilustração do cãozinho em frente ao gramofone, supostamente ouvindo a voz do próprio dono, me remete à lembrança do meu saudoso pai, que trabalhou desde antes de eu nascer até a aposentadoria, quando eu tinha cerca de nove anos, como prensista de LPs na RCA-Victor, cujos selos possuíam a imagem do simpático cachorrinho, Nipper.

"A voz do dono"
“A voz do dono”

Agraciado com brindes mensais e retiradas de discos para desconto no pagamento, meu pai trazia para casa uma infinidade de títulos, dos mais diversos gêneros musicais. Some-se a isso os discos que meus irmãos, já adolescentes, começavam a comprar, e a minha primeira infância, acostumada com os Bozos e Topo Gigios, começava a ampliar o leque de opções para formar meu gosto musical. Em se tratando de rock, é bem provável que os Beatles tenham tocado o primeiro acorde de guitarra de que me recordo, talvez com “Help” ou “She Loves You”, “Ticket to Ride”, “Day Tripper”, quem é que vai saber? Minha lembrança mesmo é de um disco de David Bowie, Pin ups, em que o chamado “camaleão do rock” interpretava covers. É engraçado como aquilo me soava visceral, e como hoje nem parece tão pesado assim. Mas eu era criança.

Os anos foram passando, eu ainda criança acompanhava nos anos 80, pelo rádio, as passagens de The Cure, The Smiths, as bandas de heavy metal e hard rock, a explosão do rock nacional, sob o efeito do Plano Cruzado, e a valorização do poder de compra que fez coisas não tão relevantes venderem milhões de discos.

Mais alguns anos, e a década de 90 chegava com camisas de flanela, os meus primeiros fios de barba, em forma de cavanhaque e o grunge de Seattle, fazendo o volume subir nos alto-falantes do meu toca-discos (que já não era a vitrolinha em que Topo Gigio cantava “Meu limão, meu limoeiro”), acoplado a um cd-player e um tape-deck. 4 em 1. E ali fazíamos as nossas coletâneas, gravando músicas de LPs, de CDs, de K-7s para K7s ou até do rádio, com os dedos a postos pra começar e terminar a música que ia tocar, tendo o cuidado de calcular o tempo restante e se preparar para virar o lado sem perder nada da gravação de um especial. Rebobinar fita cassete com caneta bic, quem nunca? E a fita a gente levava pra ouvir no walkman. Trabalhando como office-boy, foram algumas longas viagens de trem com o walkman preso ao cinto, companheiro de jornadas.

 

Este ratinho já teve seus compactos rodando nas vitrolinhas de todo o Brasil.
Este ratinho já teve seus compactos rodando nas vitrolinhas de todo o Brasil.

E os anos 2000 foram um pouco pulverizadores do formato. Surgiram os mp3-players, e não importava mais o suporte em que a música chegava, ela tinha que ser convertida para ser encaixada no pequeno aparelho. Ou baixada. Hoje os discos já não vendem tanto, muitos artistas já disponibilizam seus sons diretamente para download, capas de discos viraram um raro prazer (foram diminuindo, até se transformarem em pdf – quando existem).

Um dos meus discos prediletos, no entanto eu nunca o tive em mãos.
Um dos meus discos prediletos, no entanto eu nunca o tive em mãos.

Eu fiz toda essa linha do tempo para dizer que possuo uma prática que considero uma das coisas que mais gosto: compartilhar música. Eu e uma amiga – a minha melhor amiga – sempre nos presenteamos com as nossas descobertas e lembranças musicais, através de nossas playlists e sugestões. No meio de uma destas playlists, a constatação daquela que é a que considero a música mais bonita da história, a minha predileta de todos os tempos, e a qual surpreendentemente nunca ouvi em seu suporte original, aliás em suporte algum que não fosse o rádio, e mais recentemente o mp3: “God only knows”, dos Beach Boys. Do disco Pet Sounds, aquele significativo disco cujas letras amarelas em fundo verde estampam camisetas pelo mundo afora. Significativo porque é um dos álbuns mais influentes da história da música pop. Que se tornou até certo ponto uma roda de influências entre os Beach Boys e os Beatles, começando pelo disco Rubber Soul do quarteto de Liverpool, que impulsionou a criação de Pet Sounds, cuja “God only knows” foi alvo do apreço de Paul McCartney, que quis fazer algo semelhante em “Here, there and everywhere” no disco Revolver dos Beatles, e a história foi se seguindo.

Fato é que só recentemente me dei conta de que é minha música favorita. Uma bela constatação. E para você, qual é a música da sua vida?

A minha é essa: