A frase poderia vir de um torcedor de algum rival, mas veio de mim, um cara que é corintiano a mais tempo do que pode lembrar. E por isso sei bem quanto seria frustrante, ver pela primeira vez na minha vida meu time ser campeão sem entrar em campo. O que poderia ter acontecido neste domingo, onde o Corinthians bateu o Coritiba por 2 a 1, e o Atlético Mineiro venceu o Figueirense em Santa Catarina pelo placar de 1 a 0. O gol do Galo no finalzinho do jogo contou com uma certa satisfação da minha parte, algo bizarro visto que, como torcedor, esse foi o time que mais sequei o ano inteiro, na verdade foi mais um alívio que acabou com a indecisão do momento de pular do sofá gritando feito um louco “é campeão” para o nada, ou guardar a euforia, o próprio fato de ter essa dúvida demonstra a total falta de espontaneidade da ocasião, beirou o absurdo.
Um absurdo que superficialmente pode ser explicado a partir do total desprezo que tem pelo futebol brasileiro a instituição que organiza o campeonato mais importante do país, a digníssima CBF. A leitura de que talvez houvesse um time campeão do Brasileiro de 2015 sem que ele sequer entrasse em campo poderia ter sido feita há semanas, e prontamente corrigida, mas a impressão que a entidade passa é de que ela não liga muito pra futebol, de que na real futebol por vezes até atrapalha o funcionamento dela, também é de se entender, o esporte agora é o de menos, visto que seu presidente não se atreve a sair do país e de que FBI e CPI são preocupações maiores do que o esporte bretão no momento.
Mas devemos atribuir essa bizarrice, entre outros fatores, primordialmente ao formato do campeonato. Sim meus amigos, irei por esse caminho, pois enxergo o conceito por trás da eleição do formato de campeonato com pontos corridos como o problema central do esporte no país.
O futebol brasileiro hoje não tem uma identidade, já não se formam jogadores técnicos, habilidosos, existe hoje uma demanda para suprir no mercado, mercado esse guiado por técnicos de filosofia europeia, baseada na Itália campeã de 82, onde primordial mesmo é não perder, jogar bonito fica para depois, a beleza do esporte se perde frente ao medo da derrota, e ninguém parece perceber que essa é a grande derrota do futebol brasileiro, maior que qualquer 7×1.
Tão tradicional quanto jogadores técnicos e habilidosos no Brasil, eram as finais, aquele clima de que aquele era o dia do tudo ou nada, o frio na barriga ao acordar, a vizinhança com bandeiras, o estádio entupido de gente, aquela tensão de ou vai ou racha no ar. Isso é tradicional brasileiro, esse formato de campeonato que privilegia o confronto direto, o sangue quente. Quando resolvemos importar o formato futebolístico europeu, ignoramos por completo parte da identidade futebolística brasileira.
O futebol brasileiro tem sangue latino, é vida ou morte, é drama imperfeito, não poesia justa como o europeu. Me arrisco a dizer que se os pontos corridos fossem o formato do Brasileirão desde o início talvez não tivéssemos uma invasão corintiana em um ano onde tivemos o jogo histórico entre Atlético Mineiro e Inter na decisão, um Coritiba e Bangu decidindo nos pênaltis uma final no Maracanã lotado, uma das decisões mais emocionantes da história entre São Paulo e Guarani em 86, um gol salvador do Tupãzinho, uma final tão linda quanto foi Palmeiras e Corinthians em 94 (pro lado verde…), uma história tão dramática quanto Santos e Botafogo em 96, o acaso não dá muito as caras em pontos corridos, e sim a média, o mérito, conceitos muito valorizados na sociedade do lado de lá do Atlântico, mas não é a mediocridade que move nossas paixões por aqui. Não há, depois de 13 campeonatos disputados nesse formato no Brasil, histórias tão ricas quantas essas citadas acima. Fato.
A identidade do futebol no Brasil é o coração na ponta da chuteira, não tem a frieza europeia dos números correndo em nossas veias futebolísticas. Ser campeão brasileiro sem estar se quer em campo não tem a cara da paixão de um clube como o Corinthians, ou qualquer outro clube brasileiro. Essa seria a grande mancha no campeonato que dirigentes e o técnico do Atlético Mineiro tanto falaram durante a competição, o campeonato de fato seria manchado caso a torcida do Corinthians fosse obrigada a comemorar um título sentada no sofá enquanto assistia à partida morna do seu rival São Paulo pela televisão, não comemorando o título corintiano com o Corinthians e sim com o Figueirense
Sobre o descaso da CBF com o campeonato, pensem o quanto é ótimo o Corinthians não ter sido campeão neste domingo, pensem quantas histórias são possíveis com esse Corinthians e Vasco, jogo que praticamente decretou o rebaixamento do time paulista em 2007, e que agora pode decretar o descenso do time carioca e a glória do hexa brasileiro corintiano.
Sobre o descaso da CBF com a identidade do futebol brasileiro, pensem em quantas histórias perdemos por não ver uma final com todas as nuances de uma final jogada entre os dois melhores times do Brasil hoje, Timão e Galo. Pegando como base o último jogo desses dois rivais, pensem em quanto seria multiplicado o golaço de voleio do Lucca, as defesas no primeiro tempo do Victor, o abafa que a torcida corintiana deu em pleno Horto na torcida atleticana, ou indo mais longe, uma final entre aquele Flamengo de Adriano e Petkovic contra o Inter de D’Alessandro, Guiñazu e Nilmar no Beira-Rio e no Maracnã lotados, em um dos campeonatos mais equilibrados da história.
Você, caro leitor, pode discordar do formato que penso ser o ideal para o campeonato nacional, mas provavelmente concorda que perdemos nossa identidade futebolística, identidade essa intimamente ligada as finais, as grandes decisões, seja qual for a sua opinião, leve isso em conta:
Os três maiores eventos esportivos do mundo, os três que mais pessoas ao redor do globo assistem são o Super Bowl, final do futebol americano, a final da Copa do Mundo, e a final da Copa do Mundo de Rugby. Porque não ter o coração na boca todo ano no futebol brasileiro, porque não recuperarmos nossa identidade, nossas histórias. Porque não voltamos a nossa tradição de mata-mata que vem desde Rio-São Paulo (esboço de um campeonato nacional), Taça Brasil e Robertão. O futebol brasileiro, ou o futebol em geral vive de momentos gigantes, e não de justiça, não de mérito, regularidade ou média.
A mídia elitista em sua eterna síndrome de vira-lata vira a cara para a identidade do futebol brasileiro, já a CBF não está preocupada em criar uma identidade do futebol brasileiro, ou com o futebol em si, isso a gente já sabe há muito tempo. Mas no país da seleção pachecona das selfies e dos pastores evangélicos caça-níquel em concentrações, que saudade de ter o coração na boca de novo e não dormir a noite em uma final de Brasileiro.
Só sei que eu nunca mais quero ter o risco de passar pela triste e fria alegria de ver o meu time campeão sem nem calçar as chuteiras, sem nem ouvir um “Vai CORINTHIANS”, domingo então o Corinthians não foi campeão, ainda bem!