A seleção brasileira deveria nos encher de orgulho e despertar em nós o maior interesse futebolístico do mundo, sem ufanismo, pachequismo e afins, o que particularmente abomino; a questão é que ao longo dos anos, o Brasil produziu times tão incríveis que a seleção acabou por ultrapassar os limites do esporte e se tornou uma expressão cultural, que continha o próprio jeito do povo brasileiro levar a vida e principalmente o nosso jeito de jogar um jogo que é idolatrado pelo planeta inteiro. Nós fomos os melhores um dia, os mais belos e a inspiração para uma geração de craques e técnicos do mundo inteiro que marcaram história no esporte.
Porém de forma muito melancólica não é o que acontece hoje com o time da CBF, com uma seleção que conta com jogadores “chineses”, um técnico testa de ferro que tem raiva da própria sombra, um craque mimadão e jogadores psicologicamente despreparados, o Brasil mais do que nunca vai se apequenando como seleção não pelos maus resultados, mas pela indiferença que transmite e que causa em sua torcida.
Eu e você, provavelmente, não damos a mínima para a seleção, convenhamos, preferíamos assistir nosso clube do que ter que ver Galvão Bueno, Ronaldo e companhia tentando vender uma farsa na TV, xingamos quando o melhor jogador do nosso time de coração é convocado para esquentar o banco de algum jogador mediano provido de algum time sem expressão da Europa ou da Ásia e vemos o 7×1 mais como piada do que tragédia. A própria CBF demonstra desprezo pela sua “propriedade” ao não parar o calendário do futebol nacional durante competições internacionais como a recém iniciada Copa América Centenário, como se seleção e futebol brasileiro não tivessem qualquer ligação, é um toca o futebol de vocês dai que a gente toca a nossa seleção daqui.
Mas porque a seleção não nos interessa tanto mais?
Alguns fatores podem ser apontados, e o primeiro tem a ver com sua gestora, a digníssima Confederação Brasileira de Futebol. A CBF perdeu o pouco da confiança que tinha com a população brasileira com os casos de corrupção que vieram a tona 2 anos atrás, que digamos assim, não deixou ninguém perplexo, a instituição se mostrou um balcão de negócios imundo, a prática dos diretores da Confederação Brasileira de Futebol são inaceitáveis pra dizer o mínimo, olhamos para o time do Brasil e vemos o reflexo de uma instituição sem nenhuma identidade, que segue contaminando cada vez mais os laços entre povo e seleção.
Porém isso não é um fator decisivo visto que a corrupção no futebol dá sinais claros de ser global, é preciso muito mais do que corrupção para minar a relação entre um time nacional e sua população, a gente sabe que paixão e moralidade não andam exatamente de mãos dadas.
As confederações de futebol da América do Sul são tão corruptas quanto e mesmo assim o cenário é oposto nos nossos vizinhos sul-americanas por exemplo, que tem torcidas apaixonadas e apaixonantes, dá gosto de ver, enquanto a torcida da seleção brasileira, se é que podemos chamar a maioria de torcida, dá sono, preguiça.
A atividade de torcer perde espaço para as selfies e tchauzinhos para os telões. E esse é um sintoma claro da ligação rompida entre seleção e população, a festa que vem da arquibancada sempre anda lado a lado com uma identidade forte do time nacional com as suas raízes, um belo exemplo é a estreia nesse fim de semana da seleção mexicana na Copa América contra o Uruguai, em que o estádio em Glendale, Arizona foi tomado por camisas verdes que cantaram os 90 minutos embaladas por um jogo ótimo que terminou 3 a 1 para os mexicanos, com um ritmo alucinante compatível com o bom futebol praticado hoje, que como disse Juca Kfouri, conseguiu ofuscar no próprio EUA o segundo jogo da final da NBA vencido de lavada pelo Golden State Warriors contra o Cleveland Cavaliers
Produzimos seleções sem identidade e deveríamos fazer o que então? Olhar e nos inspirar na conexão torcida/time através da raça e da vontade dos uruguaios e dos argentinos, NÃO! É preciso afirmar isso em letras garrafais pois esse pensamento nos produziu episódios bizarros como a escolha do bronco Dunga para técnico por duas vezes.
A seleção brasileira recuperará a conexão e a torcida dos brasileiros quando entender que deve investir em recuperar nossa identidade, e não copiar a de outros, raça e vontade são atributos emocionais, nossa identidade é a de jogadores técnicos, habilidosos, de diferenças individuais que conseguem resolver um jogo em um conjunto que pode encantar o mundo. O problema do futebol brasileiro hoje é um problema de pensamento, estrutura e de filosofia.
Falhamos na formação de jogadores e isso evidencia que o problema é conceitual, hoje as bases dos clubes brasileiros só formam volantes, zagueiros e afins para exportação. Não se vê aquele moleque habilidoso, que nos jogos de rua deixava a vizinhança inteira no chão chegar a base de algum clube, certa vez um jovem de 12 anos da base de um time grande de São Paulo foi perguntado por um comentarista se ele se divertia jogando, e sua resposta foi a de que era muito chato ser da base, reclamou do excesso de treinos táticos e das repetidas vezes que tinha que furar o dedo e entregar uma gota de sangue para uma máquina que dizia o quanto seria o seu crescimento ósseo em um ano. Ou seja, não se produz mais no Brasil material humano para atender uma filosofia de jogo que condiz com a nossa identidade, isso representa a morte do nosso futebol, e nem vou citar casos de corrupção e venda de vagas nos times de formação dos grandes clubes.
Outro fator grave é que fisicamente a seleção também vai ficando cada vez mais distante, por conta de contratos muitas vezes fraudulentos, de origens estranhíssimas, jogos do Brasil são realizados na China, na Inglaterra, e não em Recife, São Paulo, Porto Alegre, que laço crio com um time que sequer joga no meu continente?
Sem contar que a seleção brasileira hoje é uma seleção gourmet, quando acontece do Brasil jogar no Brasil, os ingressos da “Seleça” (sim, soube que esse é o apelido para a seleção dado pelos minions de Thiago Leifert por ai) são cada vez mais caros e afastam o torcedor comum do estádio. Que sentido tem uma seleção que muitos brasileiros não podem ver, inclusive o presidente da CBF quando o jogo é fora?
O problema é que países como China e Inglaterra continuam pagando muito alto para ter jogos da seleção brasileira, enquanto essa prática continuar e o Brasil seguir tendo esses mercados ricos facilmente, a CBF não mudará seus modelos de gestão, que claramente precisam ser descontruídos.
Ter um presidente da CBF que sequer pode ir para jogos internacionais, mostra a total falta de moralidade da instituição, não é a toa que sua camisa, que deveria ser usada como homenagem aos grandes que a vestiram como Rivelino, Pelé, Garrincha, Zico, Sócrates, hoje é vestida por movimentos que tem a intenção de atentar contra a democracia do país.
A consequência pode ser gravíssima e acho que nem damos muita bola, a única seleção a disputar todas as copas do mundo corre o risco mais sério de todos os tempos de não embarcar para a Rússia. O mais triste é saber que existe muito brasileiro torcendo para isso, e esse é o pior sintoma, a falta de interesse da torcida brasileira em uma seleção que é um patrimônio, que teve times que facilmente poderiam ter sido eleitos como a 8a , 9a, 10a maravilhas do mundo moderno. Que mostrou o Brasil ao mundo através de quadros belíssimos, não deveria ser normal ouvir que odiamos quando tem jogo da seleção, deveria ser um dia de festa, de comunhão.
Longos jogos horríveis virão pela frente e não devemos nos iludir com o fato de que o 7×1 esta ficando cada vez mais pra trás por hoje termos escalado um time sem mais nenhum remanescente do Mineirazo, até porque o problema do Brasil é o de negar suas próprias raízes.
Títulos como os de 94 e 2002 vieram, e virão, mas como disse Djalminha no Resenha ESPN dessa semana, eles não importam, o que importa é um time que seja referência, que seja um norte, que encha os olhos como foi o Brasil de 82, até hoje reconhecido como uma das tragédias mais lindas do futebol, é esse tipo de conexão que faz com que um moleque descalço pegue sua bola surrada e vá pra rua perder o tampão do dedo tentando imitar a bica do Carlos Alberto Torres em 70 ou mesmo o chapéu seguido de gol do Ronaldinho Gaúcho contra a Venezuela, o Brasil precisa reencontrar esse moleque, o Brasil está em dívida com esse moleque, porque é esse moleque que representa o que é o futebol brasileiro, não uma Confederação corrupta, um sentimento vazio de raiva e mágoa travestidos de raça e garra ou um pragmatismo futebolístico europeu.
Ser quem somos nos traz identidade, e só sabendo a beleza de ser o que somos que podemos viver histórias tão incríveis e emocionantes quanto as que já vivemos antes, de Garrincha a Sócrates, e porque não, de Ghiggia a Paolo Rossi.
Ah é, o Brasil, 6o nas eliminatórias para o mundial, estreou na Copa América Centenário com um futebol pequeno que virou seu habitual e empatou em 0 a 0 com o Equador, 2o nas eliminatórias, que foi operado e viu a justa vitória ser arrancada de seus braços. Mesmo resultado do último jogo do Brasil no Rose Bowl em Los Angeles, contra a Itália em 94.